quarta-feira, 23 de março de 2011

Os Eclipses nas mentes primitivas

Na Antiguidade, as mais desconcertantes lendas, quase todas cheias de afirmativas e simpatias supersticiosas, foram difundidas com o objetivo de explicar a origem dos eclipses. Os mágicos e os feiticeiros jogavam seus votos com a finalidade de fazer desaparecer os encantamentos. Os chineses e os hindus gritavam e batiam nos gongos. Os mexicanos se flagelavam, faziam sacrifícios ou se refugiavam nos cursos da água. Os romanos elevavam suas tochas pra o céu, como se suplicassem ao astro eclipsado por suas vidas.

Na Antiguidade, o medo maior sempre foi causado pelos dramáticos eclipses totais do Sol, em virtude do enorme impacto que provocava o escurecimento do céu durante o dia. As mentes primitivos temiam que o dia se transformasse numa noite eterna com a destruição do Sol por entes devoradores. O mesmo ocorria durante os eclipses da Lua – que , apesar de serem muito menos espetaculares, eram capazes de provocar também terror e pânico.


Era hábito, na velha China, preparar com antecedência uma série de rituais que consistia em atirara setas, bater tambores, com o propósito de libertar o Sol do dragão que tentava devorá-lo durante os eclipses . considerando a importância dos eclipses na organização e disciplina do seu governo, resolveu Chun Káng, quarto imperador da dinastia dos Hsai, condenar à morte os astrônomos Hsi e Ho pelo fato de não terem previsto o eclipse do Sol que se seguiu ao equinócio do outorno, em 11 de outubro de 2155 a.C., responsabilizando-os pela azáfama que se registrou. De fato, um exlipse total deve ter sido visível na China na manhã de 11 de outubro daquele ano (-2154).

A algazarra provocada por ocasião dos eclipses tinha por finalidade assustar, colocando em fuga, o monstro que procurava devorar o Sol ou a Lua. Tal costume está em toda cultura primitiva. Assim, na China, na Índia, na Malásia, na África, na América do Norte e do Sul, registraram-se lendas análogas com a crença de que o eclipse se devia ao ataque de um monstro.

Ao fazer a análise estrutural dos mitos dos povos primitivos, o etnólogo francês de origem belga Claude Lévi-Strauss (1918- ) procurou associar o charivari da tradição européia á assuada que as sociedades primitivas realizavam durante os eclipses do Sol e da Lua. O charivari é o costume de provocar arruaça por ocasião de casamentos que violem os modelos aceitos como normais por uma sociedade.

Com efeito, tal associação é realmente válida, pois, se o charivari caracteriza as uniões condenáveis, o eclipse é também uma conjunção perigosa entre um monstro devorador e um corpo celeste que lhe serve de presa. Assim, se no caso do eclipse a balbúrdia tem por finalidade colocar em fuga o monstro cosmológico que devora o Sol ou a Lua, no outro, ela tem por fim afastar o monstro sociológico que devora a inocente presa.

Apesar do naturalista romano Plínio, o Velho, em latim Caius Plinius Secundus (27-79), ter homenageado, em sua História Natural, os astrônomos por terem liberado o espírito humano do terror e do medo que os eclipses inspiravam, ainda durante séculos os homens continuaram temendo a morte do Sol, e outros acreditando que acabariam vítimas de algum malefício provocado pelo eclipse. Julgavam que só um enorme alarido poderia liberá-los daquelas ameaças. Na realidade, a origem deste procedimento, habitual no Oriente e no Ocidente, estava associado à crença de que um enorme monstro ou animal estava devorando a Lua e o Sol, respectivamente, nos eclipses lunar e solar. Até uma época recente fazer uma enorme algazarra era o melhor processo para afastar o monstro devorador, cuja identidade variava segundo as civilizações, povos e regiões. O animal ameaçador poderia ser um dragão, um leão, um lobo ou uma serpente, que se encontrasse nas intersecções das órbitas destes dois astros, ou seja, dos nodos, nas vizinhas dos quais os eclipses ocorrem.


Durante o eclipse total do Sol de 12 de agosto de 1654, relata o escritor francês Bernard Le Bovier de Fontenelle ( 1657-1757), muitos parisienses se refugiaram na adegas. Um século mais tarde, o anúncio do eclipse anular do Sol de 01 de abril de 1764 provocou a publicação na La Gazete de France de 19 de março do curioso texto:

“Os padres são convidados a iniciar mais cedo as missas do quarto domingo da Quaresma, pois um eclipse do Sol, às 10 horas da manhã, levará às trevas da noite. Os padres devem advertir o povo que os eclipses não têm nenhuma influência nem moral, nem física; não pressagiam e nem produzem nem esterilidade, contágio, guerra, acidentes funestos. Os eclipses são conseqüências necessárias do movimento dos corpos celestes, tão naturais como o nascer e o pôr do Sol e da Lua."

Acreditem ou não, isto aconteceu na capital do Pará, em 23 de agosto de 1887: durante um eclipse da Lua, o povo saiu às ruas em enorme algazarra, disposto a assustar o monstro com o ruído de latas velhas, foguetes e até tiros de revólver e espingarda. Mas este costume não foi exclusivo do folclore brasileiro, nessa época o mesmo ocorria em algumas cidades européias.

Você quer saber mais?

MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Os Eclipses: Da superstição à previsão matemática. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1993.

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