quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Golpe no Mercosul: consequências para o Brasil


Em 1965, no ato de inauguração da então maior ponte em vão livre do mundo – a Ponte da Amizade, Alfredo Stroessner e Castelo Branco, respectivamente presidentes do Paraguai e do Brasil, caminharam em direção ao meio da ponte em um encontro simbólico, que marcaria para sempre as relações entre os dois países. O Brasil construíra sozinho um colosso da engenharia moderna e presenteava o Paraguai com uma ligação rodoviária ao seu território, além do acesso paraguaio ao oceano atlântico, pelo porto de Paranaguá. Era o início de uma relação de amizade que ampliaria a importância geopolítica do Paraguai, desenvolveria sua indústria e consolidaria o Brasil como seu principal parceiro.

As relações com o vizinho foram arquitetadas cuidadosamente pelo Itamaraty, tendo em vista a ainda muito viva memória a respeito da Guerra do Paraguai (1864-1870). O Brasil não podia – ou melhor, não tinha recursos para – errar no campo das relações exteriores. A política de Estado e a seriedade com que eram tratadas as questões internacionais, sobretudo com os vizinhos, garantiram ao Brasil o respeito por parte de todas as nações do mundo.

Há cento e dez anos da modernização empreendida pelo Barão do Rio Branco e apenas há dez anos no poder, o Partido dos Trabalhadores conseguiu destruir a diplomacia brasileira.

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No dia 22 de Junho foi deposto, por decisão quase unânime
do Congresso Paraguaio, o ex-presidente Fernando Lugo. A constituição paraguaia prevê julgamentos políticos pelos atos do Presidente da República – o que também deveria ocorrer por aqui. O fato deixou acuada toda a esquerda latino-americana, que é cúmplice dos mesmos crimes de Lugo e moralmente incapaz de governar ou de representar os legítimos interesses da Pátria. Desde então, temendo a legitimidade da ação pela população que governam e a queda de seu aliado, Cristina Kirchner, Dilma Rousseff, Evo Morales, Hugo Chávez e José Mujica – respectivamente presidentes de Argentina, Brasil, Bolívia, Venezuela e Uruguai, trataram a questão buscando uma ação comum: punições que vão desde o não reconhecimento do novo governo, bloqueios comerciais e até a suspensão do Paraguai do Mercosul e da Unasul.

A respeito destas últimas cabe fazer uma distinção: o Mercosul é um projeto de Estado que, embora a passos lentos, pode prestar uma grande contribuição ao fortalecimento e a integração saudável da região. A Unasul é um projeto dos governos de esquerda latino-americanos que, em seus respectivos projetos de poder, optaram por criar um bloco orientado pela pseudo-ideologia dita bolivariana. Diferente do Mercosul, que é um pacto econômico, a Unasul é um pacto político cuja função é limitar a soberania dos Estados-membros segundo seus preceitos ideológicos.

Com a agenda de governo se sobrepondo aos interesses de Estado, a diplomacia das nações sul-americanas sofreu um duro golpe. A desordem jurídica na qual se encontram nações como Argentina e Brasil estendeu-se ao Mercosul – as regras que orientam o bloco foram ignoradas e dentro do bloco foi praticado um golpe desprezível: a admissão da Venezuela. O Congresso Paraguaio, que foi acusado de atentar contra a ordem democrática ao depor Fernando Lugo, foi o único a não acolher a Venezuela do ditador Hugo Chávez. Não tendo o Paraguai sido expulso do bloco, mas sim suspenso, ainda é válida sua prerrogativa como país-membro – que é a de aprovar ou vetar o ingresso de um novo país.

Além disso, uma seqüência de atitudes desastrosas tomou conta das diplomacias latino-americanas. O Uruguai, por exemplo, por uma questão geopolítica e de realidade comercial comum à paraguaia, deveria atuar de maneira conjunta com o Paraguai em contrapeso às duas nações mais poderosas do continente – Argentina e Brasil – fez o contraditório: participou ativamente da suspensão dos direitos do Paraguai, colocando-se em frágil posição frente aos interesses dos vizinhos maiores.

O Brasil, do mesmo modo, agiu contra seus próprios interesses. Ao aderir completamente ao plano arquitetado pela diplomacia Venezuelana, o Itamaraty abriu mão de sua condição de líder regional: a Venezuela ditou as regras, o Brasil obedeceu.

A vergonhosa atitude brasileira pôs em risco todas as conquistas de nossa diplomacia no âmbito regional. O Brasil é aliado do Paraguai por inúmeros motivos. Há uma agenda de interesses comuns que é própria aos dois países: o enfraquecimento da influência de Buenos Aires sobre o Cone Sul, a cooperação binacional em relação à Usina Hidrelétrica de Itaipu, a defesa conjunta dos recursos naturais da região, como os hídricos (aqüífero guarani), o desenvolvimento da tecnologia agrária, o acesso do Paraguai aos portos brasileiros, o acesso ao mercado consumidor paraguaio dos produtos industrializados produzidos no Brasil, bem como as questões de segurança pública que envolve as políticas de combate ao contrabando e ao narcotráfico na fronteira entre os dois países, dentre outros níveis de cooperação, tanto dentro como fora do âmbito do Mercosul.

Com razão, os paraguaios não entenderam a atitude brasileira: contavam ingenuamente com a postura de liderança de Brasília quanto ao reconhecimento do novo governo. Isto não ocorreu. Na prática, a postura brasileira isolou o Paraguai e redesenhou o mapa político para a diplomacia guarani: ao não poder confiar plenamente nos vizinhos e sem grandes perspectivas de cooperação regional, os paraguaios buscarão novos parceiros.

O imediato reconhecimento dos Estados Unidos ao novo governo não foi por acaso. Aquele era o descuido de que Washington necessitava para conquistar o apreço de Assunção e minar a influência brasileira. Há alguns anos a parceria estratégica do Brasil com o Paraguai evitou que os estadunidenses instalassem uma base militar na região do Chaco paraguaio. Como nada é de graça, há poucos dias os deputados paraguaios anunciaram a negociação com generais estadunidenses para a retomada do antigo plano do Pentágono. Findadas as negociações, o Brasil se verá completamente rodeado por bases militares dos Estados Unidos e diante do risco de iniciar uma corrida armamentista ao sul do subcontinente.

Se Chávez, Cristina e Dilma condenam o Paraguai, é porque o Paraguai está certo. Nem é preciso nos estender no assunto. Exposta a incompetência do nosso governo, o papel do Brasil, assim que livrar-se do petismo, será o de tentar recuperar as relações com o Paraguai para que este não se veja na região como uma ilha cercada por maus vizinhos.

Eduardo Ferraz
Secretário de Expansão e Organização da Diretoria Administrativa Nacional



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