domingo, 20 de maio de 2012

A civilização e a complexa natureza humana.



Condutas pessoais, demonstram a conduta da sociedade como um todo?

A base de tudo é o homem, a sua visão de mundo e a sociedade que cria. O homem e a sociedade humana tem em si variáveis e processos que podem nos permitir explicar a civilização ou o domínio crescente do homem daquilo que lhe cerca.

Nossa tarefa, contudo, extrapola a visão do historiador ou do antropólogo ao tentar dar essa explicação. É fácil tanto para um como para outro explicar porque Atenas ou Esparta colocavam o seu mundo na Grécia, ou Roma colocava o seu mundo no Mar Mediterrâneo, ou porque chegou-se a uma época em que o mundo está colocado no planeta Terra.

Para eles o entendimento deste pressuposto tenderia a restabelecer, de forma estranha e paradoxal, o mundo de Ptolomeu. A Terra, todos sabemos, não é mais, conceitualmente, na astronomia, como foi por longo tempo, o centro do Universo. Os astros não giram em torno da Terra e isto foi provado por Copérnico, há quatro séculos. Entretanto, cada vez mais, nos últimos quatro séculos, a Terra, em sua totalidade, tem sido ocupada pelas mesmas questões e tem sido arrebatada pelas mesmas idéias. E de idéias que, em seu interior, carregam o processo civilizatório. Na verdade, a Terra tem sido, cada vez mais, o centro de tudo, ao ser progressivamente ocupada pela civilização.

Para nós, que olhamos sob o prisma das relações entre dualidades, por isto a Terra tem-se transformado, crescentemente, em um campo de luta, em que se digladiam, de um lado, a intransigência, e suas aliadas: o mercado e a desordem natural; e, de outro lado, a razão e suas forças principais: o planejamento e a ordem construída. Este é o fenômeno. É a civilização. Não é a globalização.


Qual será a chave para uma sociedade humana honesta e honrada?

Diferentemente do que tem sido propagado, a prevalência das mesmas teses no mesmo espaço e a sua luta tem explicitado, crescentemente, as dualidades primitivas das sociedades humanas: a do centro com a periferia, e a da barbárie com a cultura. Entretanto, é de fundamental importância o entendimento que estes contrários sempre formam uma única unidade. Existe permanentemente uma unidade dos contrários.

Esta é a verdadeira explicação porque a disputa desse espaço, que é finito, que é limitado, tem sido feita, nos últimos quatrocentos anos, com muito maior vigor e rapidez, pelas partes que compõem o todo.

Entretanto, chegar-se a este estágio no processo civilizatório requereu um permanente embate do homem com o universo. A conquista é uma ação de cooptação. Mas também é a afirmação de uma dominação. Há uma tese original - o homem - mas, também, há a sua antítese - o universo. Um para o outro. 

A mediação entre esses contrários foi, até a época das luzes, o trabalho; hoje é a ciência. As contradições permanecem intocadas. Nem o trabalho, nem a ciência desvelam o ignoto. As perguntas iniciais permanecem sem respostas. Entretanto, é inegável que o homem se aproximou do Absoluto, desde que se levantou sobre as patas posteriores e andou em alguma planície deste, na época, para ele, imenso planeta. E isto se tornou possível porque assumiu a posição de ordenador de seu contraditório: a natureza - materialização primeira do universo. O homem desde que racionalizou, se inconformou. E desde que se inconformou, defrontou-se com a intransigência

Seria a sociedade reflexo de cada individuo envolvido nela?

As razões desta aproximação com o Absoluto são várias. Uma, no entanto, é unânime, em todos os pensadores que discutem o progresso humano: a vida social e a sua acompanhante permanente, a vida política. E estas têm, como sua última criatura: o Estado-Nação.

A ideia de Estado-Nação é um pensamento muito elaborado. Seu entendimento pressupõe o caminhar por uma linha ininterrupta de idéias, através do espaço e do tempo, que ligam as hordas às grandes potências. O Estado - Nação constitui o resultado das soluções silenciosas e progressivas das questões que surgiram da convivência humana. Querer, num ensaio, estabelecer o preciso momento e a melhor via em que se deram essas soluções, é buscar o inalcançável. Entretanto, a forma dessas soluções sempre foi a mesma: o pacto. Seja aquele resultante da imposição do mais poderoso e que, portanto, decorre da racionalização de desvantagens; seja aquele que advém da composição de vontades, e que, portanto, resulta da racionalização de vantagens.

O pacto é, antes de tudo, um produto da razão. A linha que liga as hordas à sociedade atual - à civilização - é um contínuo de pactos, sendo, talvez, a mais visível expressão da razão. O Estado-Nação é a última estação dessa linha ininterrupta de acordos. Não a última, mas a última conhecida. Não a definitiva, mas a última praticada. Conhecer o Estado-Nação é conhecer a história da razão e de seus pactos.

 Nos tornamos uma sociedade cada vez mais artificial, lutando para manter sua identidade natural?

O entendimento de que o Estado-Nação resulta da razão é importantíssimo. O homem em sua inteireza se defronta internamente com muitas dualidades. As mais importantes para a sua existência, são, em nossa opinião: o inconformismo versus a resignação e a razão versus a emoção. A resignação e a emoção conceituamos como formadores da intransigência, enquanto que consideramos o inconformismo e a razão como os estimuladores da conquista do universo, pelo gênero humano. Sintetizamos, assim, o processo. E esta síntese nos acompanhará, ao longo deste ensaio.

A ideia de Estado Nacional resulta, portanto, da posição ordenadora do homem. Entretanto, esta posição ordenadora se processa por ondas sucessivas. Pode-se observar passagens da história da civilização, onde se verifica empiricamente a formulação proposta e que foi por nós nomeada como teoria do retardo.

Em síntese, há ações que desencadeiam a desordem e há ações que restabelecem uma nova ordem, em um novo patamar. Ruptura e equilíbrio transitório, estes se alternam. Nada pode explicar melhor a marcha do processo civilizatório, do que o aceite da teoria do retardo e das rupturas que nela estão consignadas e que resultam da ação ordenadora do homem, fruto de seu inconformismo. 

Ruptura processada segue-se uma nova ordem.

Você quer saber mais? 

WINNICOTT, D.W. Natureza Humana. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1990.

PINKER, Steven. Tabula Rasa: a Negação Contemporânea da Natureza Humana. São Paulo: Companhia das Letras,2004.