quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Questões acerca do Pelagianismo. Parte V. Considerações finais.


O Pecado Original: desobediência a Lei de Deus...."do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal dessa não comereis por que no dia em de-la comeres certamente morrereis". Os Pelagianos não acreditavam que o pecado de Adão e Eva foram passados para seus descendentes pelo contrario cria que os homens eram livres para escolher entre o bem e o mal não sofrendo influência nenhuma da natureza desobediente de nossos primeiros pais. Essa crença se opunha contra todas as premissas da Salvação por meio de Cristo segundo a Graça Divina.
Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

Chegamos ao final de nosso estudo sobre o Pelagianismo em suas implicações na vida da Igreja Cristã e dos cristãos do século IV e inicio do século V d.C. Agora analisaremos de forma ampla as questões que firmavam o pelagianismo como uma força religiosa que teve respeitável número de adeptos, mas como tal teve um grande adversário pela sempre por meio da Igreja Católica que firmava as premissas de sua fé na tradição Apostólica.

A convicção básica de Pelágio e seus seguidores consistiam em que a natureza do homem era correta e fundamentalmente imutável. Originalmente criados por Deus, reconhecia-se que os poderes da natureza humana tinham sido cerceados pelo peso dos hábitos passados e pela corrupção da sociedade. Mas essa constrição era puramente superficial. A “remissão dos pecados” no batismo podia significar para o cristão a recuperação imediata da plena liberdade de ação, que fora meramente suspensa pela ignorância e pelas convenções.

O homem pelagiano era, essencialmente, um indivíduo separado: o homem católico estava sempre prestes a ser tragado por vastas e misteriosas solidariedades. Para Pelágio, os homens haviam simplesmente resolvido imitar Adão, o primeiro pecador; para os católicos, eles recebiam sua fraqueza essencial da maneira mais íntima e irreversível que havia: nasciam pela mera realidade da descendência física desse pai comum da raça humana.

Para Pelágio o pecado humano era essencialmente superficial: era uma questão de escolha. As escolhas erradas podiam acrescentar uma certa “ferrugem” ao metal puro da natureza humana, mas uma escolha, por definição, era reversível. Para estes o autocontrole era suficiente: bastava defender a cidadela da decisão livre, escolhendo o bem e rejeitando o mal.

Por mais conscientemente cristão que fosse o movimento pelagiano, ele se apoiava solidamente no leito dos antigos ideais éticos do paganismo, sobretudo do estoicismo. Eles achavam que os bebês eram criados por Deus e, portanto, eram bons; que não poderiam ser amaldiçoados por não serem batizados; e “que o homem pode chegar à felicidade por seu livre-arbítrio respaldado pela bondade da natureza humana.” Pretendiam persuadir os homens como tinham feito os filósofos pagãos, de que eles poderiam atingir neste mundo uma “vida completa”, uma beata vita.

Os tratados de Pelágio soam vez por outra, como obras de teoria política racional. Seu Deus é um déspota esclarecido e os cristãos são bem providos de Sua legislação abundante. Pelágio indignava-se com o fato de os homens continuarem a descumprir as ordens de um soberano tão sensato e bem-intencionado:

“Depois de tantos avisos a vos chamar a atenção para a virtude, depois da entrega da Lei, depois dos profetas, do Evangelho e dos apóstolos, simplesmente não sei como Deus poderá vos demonstrar indulgência, se quiserdes cometer um crime.”

Pelágio presumia constantemente que a existência de um bom meio podia influenciar diretamente os homens para melhor. Segundo ele, a vontade dos homens podia ser “impactada” a agir pelo bom exemplo de Cristo e pela terrível sanção do fogo do inferno.

Havia um traço de frieza na mentalidade de todo o movimento pelagiano. Adão fora punido com a pena de morte por desrespeitar uma única proibição; e até ele era menos culpado do que nós, pois, não tivera o grande benefício da execução anterior de um ser humano para detê-lo.  A liberdade podia ser admitida como um fato: simplesmente fazia parte de uma descrição do ser humano feita pelo senso comum. Presumia-se que o homem fosse responsável (caso contrário, como poderiam seus pecados ser chamados pecaminosos?) e ele tinha consciência de exercer escolhas; portanto, insistia Pelágio, era livre para determinar seus atos.

“No começo, Deus instalou o homem e o deixou entregue a seu próprio arbítrio. (...) Colocou diante de ti a água e o fogo, para que estendas a mão para o que quiseres.”

Pelágio e seu discípulo Celéstio, julgavam poder argumentar diretamente a partir das realidades aceitas da escolha e da responsabilidade para completar a autodeterminação humana: “É coisa mais fácil do mundo” escreveu Celéstio, “mudar nossa vontade por um ato de vontade.” Para eles, a diferença entre os homens bons e maus era muito simples: uns escolhiam o bem, e outros o mal.

Para os católicos a liberdade não pode ser reduzida a um sentimento de escolha: trata-se de uma liberdade de agir plenamente. Tal liberdade deve envolver a transcendência do sentimento de opção. É que o sentimento de opção é sintoma da desintegração da vontade: a união final do conhecimento e do sentimento envolveria de tal maneira o homem no objeto de sua escolha, que qualquer outra alternativa seria inconcebível.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Questões acerca do Pelagianismo. Parte IV: Papa Zózimo e o Imperador Honório dão a sentença final sobre o pelagianismo.


O personagem bíblico Jó era considerado pelos pelagianos um herói. Imagem: Arquivo pessoal CHH.

Chegamos à quarta parte de nosso estudo sobre o pelagianismo e sua influência na formação dos principais dogmas Católicos contra heréticos, pois sendo os mesmo uma ameaça que muito trabalho deu aos bispos católicos no século IV e V. No trabalho que se segue veremos a veemência pelagiana de alcançar a perfeição plena e harmônica entre alma e corpo de tal forma que segundo suas crenças poderiam manter-se livres de qualquer desobediência às leis sagradas por seu próprio esforço e dessa maneira deixando o clero católico consternado, pois desse modo os pelagianos excluíam Cristo de sua sociedade. Uma blasfêmia que não seria tolerada pela Igreja Cristã.

Pelágio escolhera bem os seus destinatários e, todos eles, tinham uma notável força de vontade ao romperem por completo com “o mundo”, frente ao opressivo sentimento de família que imperava na sociedade aristocrática do baixo Império Romano. A extraordinária obstinação desses jovens nobres afigurava-se um presságio seguro do futuro progresso na perfeição. Havendo usado sua força de vontade com um efeito tão poderoso, eles poderiam facilmente tornar-se seguidores fervorosos de Pelágio. E teriam dado a esse movimento de reforma a bênção da classe mais influente de leigos cristãos do mundo romano. Isso porque o pelagianismo podia afigurar-se um movimento com um projeto definido.

A Igreja Católica viu-se diante de pessoas que se acreditavam capazes de exortações urgentes, de exercer uma influência imediata no comportamento da sociedade.

Para os pelagianos, o homem não tinha desculpas para seus pecados nem para os males que o cercavam. Se a natureza humana era essencialmente livre e bem criada, e não perseguida por uma misteriosa fraqueza íntima, a razão da miséria geral dos homens devia ser externa, de algum modo, a seu verdadeiro eu; devia estar, em parte, na força restritiva dos hábitos sociais de um passado pagão, Tais hábitos podiam ser reformados. Assim, poucos autores do baixo-império foram tão francos em suas críticas à sociedade romana. Os trechos mais suaves das frias exortações dos pelagianos são os que descrevem o horror das execuções públicas, instando o cristão a:

“sentir a dor alheia como se fosse sua e a se comover até as lágrimas com as tristezas de outros homens.”

Jó era o herói dos pelagianos: ali estava um homem subitamente despojado dos artifícios da sociedade, e capaz de mostrar ao mundo o esqueleto nu de uma individualidade heroica. Não foi por consciência que essas ideias circularam entre homens que desejavam despojar-se de sua vasta riqueza.

Como muitos reformadores os pelagianos depositaram no indivíduo o peso assustador da liberdade completa: ele era responsável por todos os seus atos; portanto, todo pecado só podia ser um ato deliberado de desprezo a Deus.

Depois de 410, entretanto, a África tornou-se uma das únicas províncias em que se podia contar com o status quo. Talvez tenha sido mais do que coincidência o fato de as ideias pelagianas parecerem ter tido o máximo de repercussão justamente nas províncias em que os antigos estilos de vida foram afetados pelas invasões dos bárbaros: na Grã-Bretanha, no Sul da Itália.

As diferenças fundamentais entre Pelagianos e Católicos pode ramificar-se das questões mais abstratas da liberdade e da responsabilidade para o papel efetivo do indivíduo na sociedade do baixo império.  Mas, podemos distinguir fundamentalmente em duas concepções radicalmente diferentes da relação entre o homem e Deus. A Igreja Católica via nos bebês a extensão do desamparo encontrado neles e esta os impressionava. Já os pelagianos, desdenhavam os bebês. “Não há admoestação mais premente do que está: devemos ser chamados filhos de Deus”.

Ser “filho” era tornar-se uma pessoa inteiramente distinta, não mais dependente do pai, porém capaz de seguir por conta própria as boas ações ordenadas por ele. O pelagiano era emancipatus a deo – uma imagem brilhante, extraída da linguagem do direito romano de família: libertos dos direitos abrangentes e claustrofóbicos do pai de uma grande família sobre seus filhos, esse filhos teriam “atingido”. Como no direito romano, da dependência em relação ao pater familias, e podiam enfim lançar-se ao mundo como indivíduos maduros e livres, capazes de defender com feitos heroicos o bom nome de seus ilustres ancestrais: “Sede perfeitos, como perfeito é vosso Pai celestial.”

Pelágio angustiava-se com a hipótese de que sua mensagem austera fosse proscrita, se declarada herege. Os pelagianos achavam que a Igreja precisava de seus serviços: cabia mais a eles tolerar a negligência moral da Igreja católica, cujo populacho sempre rotularia de “heresia” qualquer opinião desagradável.

Para o homem médio, era difícil decidir se a linguagem usada por Pelágio era “herege”. “Heresia” significava erros quanto à natureza da Trindade, como os que haviam provocado à controvérsia ariana e, nesse aspecto, os pelagianos eram irrepreensíveis .

Os pelagianos sempre ameaçaram apelar para as igrejas orientais, com tradições mais liberais e muito diferentes. Vista de fora, a fundatissima fides parecia expressar meramente o rigor tacanho de uma igreja isolada.

Pelágio chegou a Terra Santa em meados de 415 e um sínodo de quatorze bispos se reuniu em Diópolis ficou claro para eles que as acusações deveriam ser descartadas.
Se a aceitação de Pelágio pareceu perfeitamente normal no Oriente, causou grande rebuliço no Ocidente. A misteriosa rede de adeptos de Pelágio certificou-se então de que seu relato do sínodo de Dióspolis chegasse ao mundo latino com espantosa velocidade. A conspiração destinada a prejudicá-lo fora reduzida a confusão; ele ficara com sua “ficha limpa”, e sua opinião de que os homens podiam existir sem pecado fora aprovada por bispos dos Lugares Santos.

Chegou então a vez da Igreja da África mostrar sua contra-demonstração. E está foi impressionante. Dois concílios foram realizados; um em Cartago e outro em Milevs e havia trezentos bispos católicos prontos para concordarem unanimemente com decretos redigidos por especialistas incontestáveis contra os ensinamentos pelagianos.

Assim no final de 416, Inocêncio bispo de Roma recebeu da África uma pilha realmente inusitada de documentos:

domingo, 27 de janeiro de 2013

Rio Grande do Sul em Luto. Incêndio na boate Kiss é o de maior número de mortos nos últimos 50 anos no Brasil.



A tragédia

O incêndio na boate Kiss, no centro de Santa Maria, começou entre 2h e 3h da madrugada de domingo, quando a banda Gurizada Fandangueira, uma das atrações da noite, teria usado efeitos pirotécnicos durante a apresentação. O fogo teria iniciado na espuma do isolamento acústico, no teto da casa noturna. 

Sem conseguir sair do estabelcimento, mais de 200 jovens morreram e outros 100 ficaram feridos. Sobreviventes dizem que seguranças pediram comanda para liberar a saída, e portas teriam sido bloqueadas por alguns minutos por funcionários.

A boate


Maior tragédia gaúcha teve pelo menos 233 vítimas confirmadas pela Brigada Militar e outras dezenas internadas em hospitais do Estado.

Localizada na Rua Andradas, no centro da cidade da Região Central, a boate Kiss costumava sediar festas e shows para o público universitário da região. A casa noturna é distribuída em três ambientes - além da área principal, onde ficava o palco, tinha uma pista de dança e uma área vip. De acordo com o comando da Brigada Militar, a danceteria estava com o plano de prevenção de incêndios vencido desde agosto de 2012. 

Plano de prevenção contra incêndios de boate estava vencido.

A danceteria Kiss, palco da tragédia em Santa  Maria, está com o Plano de Prevenção e Controle de Incêndios vencido desde agosto de 2012. A informação é do subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Altair Cunha, que é bombeiro de formação e está em Santa Maria para coordenar trabalhos de rescaldo do incêndio que matou mais de 200 pessoas na madrugada de domingo.

Os proprietários tinham pedido renovação do PPCI, mas ela ainda não foi concedida. É normal que se permita o funcionamento, enquanto espera a fiscalização verificar o novo plano, já que eles tinham um plano anterior aprovado — explica Altair.

O coronel confirma que a entrada e a saída da danceteria eram uma só. Ele diz que, apesar disso, o funcionamento pode ser autorizado quando os proprietários do estabelecimento comprovam que a largura dessas vias de acesso é suficiente para deixar passar um grande número de pessoas, o que seria o caso da Kiss.

Tem de checar agora outras coisas: se as portas foram abertas na hora da confusão, como deveriam. Se os extintores funcionaram e assim por diante — ressalta o subcomandante da BM.

Testemunhos colhidos pela Polícia Civil indicam que as portas de saída não estavam totalmente abertas, na hora em que o incêndio começou a se propagar. Por isso, muita gente teria buscado refúgio nos banheiros, onde acabou morrendo por asfixia ou pisoteada.

Segundo o capitão da Brigada Militar (BM) Edi Paulo Garcia, a boate Kiss teria apenas uma saída. De acordo com Garcia, 90% dos corpos estariam nos dois banheiros da boate — um feminino e outro masculino. Ainda conforme Garcia, aqueles que não morreram pelo fogo, foram vítimas de asfixia (em função da forte fumaça) ou foram pisoteados.

O proprietário


Kiko Spohr, proprietário da boate Kiss.

O dono da boate Kiss, o empresário Kiko Spohr, é Ator, cantor e empresário, e sócio do empresário Mauro Hoffmann. No Facebook, amigos de Kiko sugerem que ele venha a público explicar o que aconteceu. Vemos nessa tragédia como uma grande irresponsabilidade dos órgãos municipais do município de Santa Maria-RS, principalmente da defesa civil do município e do próprio proprietário, pois ele esta lidando com seres humano, são vidas humanas que estão se divertindo, que precisam de total segurança.

A tragédia, que teve repercussão internacional, é considera a maior da história do Rio Grande do Sul e o maior número de mortos nos útimos 50 anos no Brasil. 

Entre os incêndios, o incidente na boate Kiss é o que teve mais vítimas nos últimos 50 anos. Até o momento já foram confirmados 233 mortos e outras dezenas de feridos.

De acordo com levantamento feito por Zero Hora, o incêndio só é superado na história brasileira pela tragédia ocorrida em Niterói, no Rio de Janeiro, em 1961. Na ocasião, 503 pessoas morreram após um circo com cerca de 3 mil espectadores pegar fogo, conforme o livro-reportagem O Espetáculo Mais Triste da Terra, do jornalista Mauro Ventura.

O coronel Humberto de Azevedo Viana Filho, secretário nacional da Defesa Civil, chegou a Santa Maria na tarde deste domingo. Ele compara a tragédia da boate Kiss com os deslizamentos no Rio de Janeiro, em 2011, que vitimaram mais de 900 pessoas e deixaram mais de 200 desaparecidos até hoje. Para o secretário, o que mais surpreende no caso é o número de mortos em espaço reduzido:

— Este evento só ressalta que devemos estar preparados em todos os municípios. É um momento de solidariedade e muita dor, e temos de ter prudência na avaliação dos dados.

Desde então, nenhuma tragédia se aproxima do número de vítimas do incêndio santa-mariense. A tragédia ocorrida na madrugada deste domingo teve 63 vítimas a mais do que a do edifício Joelma, em São Paulo, em 1974, e cinco vezes mais mortos que o incêndio nas lojas Renner, em Porto Alegre, em 1976.
Entre os incêndios ocorridos em locais fechados, como boates ou cinemas, o caso pode ser incluído no ranking das piores tragédias do mundo. Dois incidentes na China, em 1994, registram um número maior de mortos em situações semelhantes. O incêndio na boate Kiss supera, em número de vítimas fatais, até mesmo o caso da casa de shows Republica Cromañón, em Buenos Aires, em 2008. Naquela ocasião, a causa também foi o uso de fogos de artifício.

O incidente é comparável a catástrofes naturais, que atingem uma área muito mais ampla e um maior número de pessoas. Nas enchentes que atingiram Santa Catarina em 2008, por exemplo, morreram 98 pessoas menos. Dados coletados desde 1900 pelo Centro para a Pesquisa da Epidemiologia de Desastres, da ONU, com sede na Bélgica, apontam que este incêndio ocorrido no Estado também supera o número de mortos por deslizamento no Rio de Janeiro, em 2010.

Em informações preliminares, foi dito que o número de vítimas chegaria a 245 pessoas. O major do Batalhão de Operações Especiais (BOE), Cleberson Braida Bastianello, corrigiu o número de mortes confirmados para 233.

FONTE:



sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Questões acerca do Pelagianismo. Parte III: o Estado Romano, a Igreja Católica e os Pelagianos!



Pelagianismo. Imagem: Ministério Bereia.

Dando continuidade ao nosso estudo sobre as “Questões acerca do Pelagianismo”, avaliaremos nesta postagem sua compreensão da desobediência no pecado original e a hereditariedade da culpa trazida a todos os humanos, que como tais são descendentes de nossos primeiros pais Adão e Eva. E como consequência a compreensão dos pelagianos dos escritos canônicos ante os Católicos.

Quando analisamos a vida dos cristãos abastados do baixo Império Romano vemos que como tais continuavam a fazer parte de uma classe dominante comprometida com a manutenção das leis do império, mediante a imposição de castigos brutais. Estavam dispostos a lutar com unhas e dentes para proteger suas vastas propriedades e, à mesa de jantar, eram capazes de discutir tanto a mais recente opinião teológica, pela qual se orgulhavam como especialistas, quanto o tipo de punição judicial que houvesse acabado de infligir a algum assassino/estuprador.

Nessa confusão, a mensagem dura e firme de Pelágio surgia como uma libertação. Ele oferecia ao indivíduo a certeza absoluta, pela obediência absoluta. Podemos perceber isso na carta de um homem que se viu subitamente sob a influência de uma dama da nobreza, figura dominante de um grupo de entusiastas pelagianos na Sicília.

“Quando morava em minha terra, eu pensava ser um adorador de Deus. (...) Agora, pela primeira vez, comecei a saber como posso ser um verdadeiro cristão.(...) É fácil dizer que conheço Deus, creio em Deus, temo a Deus e sirvo a Deus. Mas não se conhece Deus quando não se acredita n’Ele; e não se acredita n’Ele a menos que se o ame; e não se ode dizer que se O ama, quando não se O teme quando não se O serve; e não se pode dizer que se serve a Deus quando se desobedece a Ele em qualquer aspecto. (...) Quem crê em Deus obedece a Suas ordens. Isto é amar a Deus: fazer o que Ele ordena.”

Era uma época séria. Os imperadores, ao insistirem no cumprimento de suas leis, usavam a mesma linguagem desesperada que Pelágio empregava ao falar das leis de Deus. Os homens que liam os textos pelagianos haviam acabado de assistir a uma série de acontecimentos que tinham abalado a confiança de toda uma classe: expurgos brutais, a ruína de famílias inteiras, assombrosos assassinatos políticos e, mais tarde, os horrores de uma invasão bárbara. Mas, enquanto alguns eram impelidos para o retraimento por essas catástrofes, os pelagianos pareciam determinados a se voltar para fora, a reformar toda a Igreja Cristã. Este foi o aspecto mais notável de seu movimento: o estreito fluxo de perfeccionismo que empurrara os nobres seguidores de Jerônimo para Belém, levara Paulino de Nola e Agostinho, de Milão, para uma vida de pobreza na África de repente voltou-se para fora nos escritos pelagianos, de modo a abarcar toda a Igreja Cristã:

“Decerto não é verdade que a Lei da conduta cristã não foi formulada para todos aqueles que se chamam cristãos. (...) Porventura credes que as fogueiras do Inferno arderão com menos calor para os homens que têm permissão (como governadores) de dar vazão a seu sadismo, e que só ficarão mais quentes para aqueles cujo dever profissional é serem devotos? (...) Não pode haver dois padrões num único e mesmo povo.“

Em toda a literatura do baixo Império Romano, esse é o protesto mais pungente contra a pressão sutil, experimentada pelos bispos católicos, para que se deixassem a vida cristã para os santos reconhecidos e se continuasse a levar a vida de homens comuns, como pagãos. Pelágio  queria que todos os cristãos fossem monges..

É que os pelagianos ainda pensavam na Igreja cristã como um pequeno grupo num mundo pagão. Estavam preocupados em dar um bom exemplo: o “sacrifício do louvo”, matéria tão íntima para os bispos católicos, significava, para os pelagianos, o louvor da opinião pública pagã, que seria conquistada pela Igreja como instituição composta por homens perfeitos. Foi nisso, é claro, que o movimento pelagiano afetou a Igreja Católica intimamente. Para a Igreja cristã, era como se as novas afirmações dos pelagianos de que poderiam chegar a uma Igreja “sem mácula nem imperfeição” meramente dessem continuidade à asserção dos donatistas de que só eles pertenciam justamente a essa Igreja.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Questões acerca do Pelagianismo. Parte II: A teologia da alma perfeita!



A alma humana! Para os Católicos tende ao pecado desde o nascimento, e para os pelagianos pura desde o nascimento e pode assim permanecer durante toda a vida do fiel pelagiano! Imagem. Getty Imagens.

Pelágio era um homem que se aborrecia com os escritos dos bispos católicos que ensinavam o nascimento em pecado e a necessidade do batismo para arrependimento e salvação. Entrou em choque com bispos por várias vezes, como Paulino de Nola, numa discussão subsequente a uma leitura das ternas passagens do Livro X, das Confissões de Agostinho de Hipona;

“Ordenai o que quiserdes, doai o que ordenardes.”

 Essa frase parecia toldar, por intermédio de atos pessoais de favoritismo, a majestade incorruptível de Deus como Legislador. O sentimento de que a onda da opinião pública estava-se voltando rapidamente contra ele, em favor de uma tolerância do pecado como “extremamente humano”, arrancou-lhe um panfleto enraivecido e sem meias palavras, Sobre a natureza. Tempos, depois esse mesmo texto foi usado como uma valiosíssima prova em sua argumentação contra Pelágio, pelos bispos católicos.

Em 412 d.C, o britânico Pelágio tornou a partir, desta vez para a Terra Santa; ficaria conhecido apenas por seus livros: Sobre a Natureza, e, Carta, que evidentemente os impressionou. Trata-se de uma intrigante imagem dupla: em uma ele era o teólogo otimista de Sobre a natureza; para outros, era o asceta ardoroso que escrevera uma admoestação para as famílias.

Mas foi Celéstio quem provocou a crise na África, não Pelágio. Tão logo chegou a Cartago, ele interveio confiantemente nos debates em curso, que pareciam tocar no mistério perene da origem da alma, e passou aos problemas afins da solidariedade da raça humana no pecado de Adão, pois, por exemplo, como poderia a alma “nova em folha” de um indivíduo ser considerada culpada do ato distante de uma outra pessoa? Essas discussões tocaram na necessidade do batismo infantil. E foi aí que os argumentos pelagianos depararam com seu primeiro obstáculo sério.

Os bispos que haviam passado anos defendendo a necessidade absoluta e a singularidade do batismo conferido por eles na Igreja Católica, e que, na biblioteca dos bispos de Cartago, podiam consultar uma carta de São Cipriano que insistia no batismo dos bebês recém-nascidos, não estavam dispostos a tolerar tais especulações.

Celéstio foi denunciado quando se candidatou ao sacerdócio. As seis proposições condenadas que ele se recusou a retirar viriam a constituir, ao lado de Sobre a Natureza, de Pelágio, a base da argumentação católica contra Pelágio. Para a Igreja, esses eram os capitula capitalia, pois tais proposições bastariam para “enforcar” Pelágio, caso se admitisse que o radicalismo de Celéstio, o discípulo, era apenas a extensão lógica das opiniões secretas de seu mestre.

Para os bispos católicos da África o Pelagianismo sempre foi um conjunto de ideias, de disputationes, “argumentos”. Mas, em Roma no entanto, tais ideias haviam desencadeado um “movimento”. Pelágio tinha um corpo de adeptos tenazes e bem situados. Estes se certificavam de que suas cartas circulassem com surpreendente rapidez e de que ele se mostrasse decidido a buscar um lugar para suas ideias dentro da Igreja Católica. Suprimiam-no de entusiastas que compunham “células” pelagianas em locais tão distantes quanto a Sicília, a Grã-Bretanha e Rodes. Hoje podemos apreciar as motivações desses homens e, portanto, podemos avaliar o papel desempenhado pelo pelagianismo numa das crises mais dramáticas da Igreja Cristã no Ocidente.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Questões acerca do Pelagianismo. Parte I: Pelágio e a perfeita natureza humana.



Pelágio da Bretanha. Imagem: 
Gram Enciclopédia Rialp. Pelágio y Pelagianismo. Tomo XVIII. 


No decurso de dois mil anos o cristianismo passou por diversos acontecimentos que suporão poder abalar a unidade da fé cristã. Desde as grandes perseguições realizadas pelos imperadores pagãos de Roma aos grandes debates teológicos com supostas novas e singulares ideias sobre a interpretação das Escrituras Sagradas. Neste estudo em particular abordarei com vocês o surgimento e desenvolvimento do Pelagianismo e suas implicações no cristianismo do recentemente convertido mundo romano. Convido a todos que embarquemos nesse estudo histórico sobre os diversos ramos cristãos que desejaram assumir a frente da Igreja como um todo durante sua aurora.

Após o ano de 410 d.C, o Império Romano teve suas fundações abadas pela invasão dos Visigodos Arianos comandados pelo Rei Alarico, que destruíram e saquearam Roma. Neste ínterim as famílias nobres de Roma viram-se momentaneamente empurradas para as portas ao Sul do Império. E, como podemos ver, a chegada de milionários excêntricos causou grande agitação ao Norte da África Romana.

Pelágio, um homem que se mudara com seus vizinhos e parentes cristãos, levaria sua controvérsia que viria a lhe garantir uma reputação realmente internacional. Sabemos pouco sobre Pelágio, ele nascerá na província da Grã-Bretanha e havia indo para Roma, aonde pós os pés na Itália pela primeira vez em 383 d.C. Pelágio permaneceu em Roma aonde levava uma vida de um sério leigo batizado por mais de trinta anos.

Vivendo em uma cidade constantemente visitada por monges do leste do Mediterrâneo, Pelágio observava de perto as perturbações que as questões teológicas de todas as partes do mundo influíam na Roma Cristã. Acima de tudo, esse leigo e seus partidários teriam ouvido padres manterem a mente aberta a respeito de questões que um bispo africano teria passado a tratar como encerradas desde muito antes.  Pelágio em Roma, chegou ao apogeu num mundo em que os leigos cristãos cultos exerciam mais influência do que em qualquer época anterior.

Homens e mulheres leigos haviam se tornado apóstolos destacados do novo movimento ascético: eram os destinatários ilustres de cartas de Paulino de Nola, Agostinho e Jerônimo; suas concepções teológicas eram respeitadas, sua proteção era buscada e suas mansões eram postas à disposição de santos e peregrinos vindos do mundo inteiro. Pelágio havia se juntado a esses homens em discussões sobre São Paulo. Tais discussões tinham constituído a base de suas Exposições das Cartas de São Paulo, a fonte mais segura de suas ideias teológicas, e, dirigido-se a tais homens, ele havia aperfeiçoado uma arte idealmente apropriada para transmitir suas ideias – a difícil arte de escrever cartas formais de exortação. Essas cartas eram admiradas nos mesmo círculos que deviam ler Jerônimo e Paulino de Nola. As cartas de Pelágio se destacavam por ser “bem redigidas e diretas”, por sua “facúndia” e sua “acrimônia”.

Com efeito, passamos a conhecer Pelágio muito melhor pela qualidade literária de suas cartas, sobretudo pela acrimônia que deu o tom de todo o movimento pelagiano, do que o conhecêramos antes, pelas proposições teológicas em função das quais ele ganhou fama de herege.

Em suas cartas podemos ver uma declaração deliberada e fartamente divulgada de suas mensagens. Suas mensagens eram simples e apavorantes como o exemplo que se segue: “já que a perfeição é possível para o ser humano, ela é obrigatória.” Pelágio nunca duvidou, nem por um momento, de que a perfeição fosse obrigatória; seu Deus era, acima de tudo, um Deus que ordenava obediência sem questionamento.


Pelágio da Bretanha. Imagem: Gram Enciclopédia Rialp. Pelágio y Pelagianismo. Tomo XVIII. 

Um Deus que fazia os homens executarem suas ordens e condenaria ao fogo do inferno qualquer um que não cumprisse uma só dentre elas. Mas o que Pelágio estava interessado em defender, com fervor especial, era que a natureza humana fora criada para que se atingisse tal perfeição: “Toda vez que tenho de falar em ditar normas para o comportamento e a conduta de uma vida santa, sempre assinalo, antes de mais nada, o poder e o funcionamento da natureza humana, e mostro o que ela é capaz de fazer (...), para não dar impressão de estar desperdiçando meu tempo, chamando as pessoas e enveredarem por um caminho que elas considerem impossível percorrer.”

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O cotidiano brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial

No caminho para a Europa, havia Natal. Nunca antes a cidade tinha recebido tantos turistas. Rapazes brancos que em poucos dias ficavam cor de laranja sob o sol, o que não espantava as moças da cidade. Elas cercavam os GIs para conhecer as novidades, inéditas na história do país. Whisky, Coca-Cola, Lucky Strike, foxtrot e bombardeiros de 16 toneladas.

A Segunda Guerra Aqui. Imagem: Felipe Massafera.

Cotovelo geográfico

Hoje, quem anda pela orla em Natal chega a Miami. A praia de Miami, assim batizada graças a quem a frequentava 70 anos atrás. No auge da Segunda Guerra, tomar sol em Miami, Rio Grande do Norte, era um dos passatempos dos 10 mil soldados americanos que, entre 1942 e 1945, operavam as bases militares mais importantes dos aliados no Hemisfério Sul - o Campo de Parnamirim e a Base Naval de Hidroaviões.
Espécie de cotovelo entre a América e a África, o Nordeste brasileiro era considerado pelos americanos um dos pontos mais estratégicos do mundo. Os aviões militares, que partiam da Miami original, nos EUA, faziam escala em Porto Rico, Trinidad e Belém - para depois partirem rumo a Senegal, Togo e Libéria e daí à Europa, levando carga ou os próprios bombardeiros, como as fortalezas voadoras B-17 e B-24. Parnamirim virou o aeroporto mais congestionado do mundo, com até 800 pousos e decolagens por dia. "Antes pacata e tranquila, a vida noturna de Natal alterava-se profundamente: era agora agitada e trepidante; bares e boates surgiam da noite para o dia", escreve o jornalista Murilo Melo Filho em seu livro de memórias, Testemunho Político. A americanização logo chegou aos trajes. Os homens abandonaram os ternos e as calças de risca-de-giz e passaram a vestir roupas cáqui de inspiração militar. As calças de brim azul, usadas nas horas vagas por recrutas americanos, chegaram ao Brasil via Natal - embora só fossem se espalhar pelo país na década de 50. As moças - que antes só passeavam na companhia de pais e irmãos, vestidas com saias rodadas - agora andavam sozinhas, de calças compridas, mascando chicletes, o sinal inconfundível da modernidade.

Além dos soldados, Natal recebeu estrelas do showbiz, enviadas pelo governo dos EUA para levantar o moral das tropas. Humphrey Bogart veio animar a estreia de Casablanca no teatro da base, em 1942. A orquestra de Glenn Miller tocou no Cine Rex. Nos prédios das bases militares, sucediam-se festas onde os combatentes americanos se misturavam aos jovens - e, principalmente, às jovens - natalenses.

Além de cortejar as moças de família, os americanos eram frequentadores de prostíbulos como o Wonder Bar, a Casa da Maria Boa, a Pensão Estela e o Bar Ideal. (Para controlar as doenças venéreas, os médicos do exército passaram a examinar as moças da zona de meretrício e as garotas saudáveis ganharam atestados chamados love cards.) Em Natal, mais do que em qualquer outro lugar das Américas, a política da boa vizinhança era um tremendo sucesso.

A Política de Boa Vizinhança do presidente americano Franklin Roosevelt era uma doutrina para toda a América Latina, visando combater o antiamericanismo e as simpatias pelo Eixo por meio de trocas culturais patrocinadas pelo Estado. Quando o Brasil entrou na guerra do lado aliado, em 22 de agosto de 1942, assumiu mais que um compromisso militar. Os americanos deixavam de ser figuras de cinema para se tornarem presenças físicas. Os brasileiros, antes só exóticos, viraram exóticas figuras de cinema.


-O que é isso, senhora Miranda?
-Um reco-reco
-Reco... reco? - a voz poderosa vinha em fortíssimo sotaque americano.
-Sim. E isto é um pandeiro.
-Pandeiro?

-Sim, um pandeiro. Algo errado, mister Welles?
-Nada. É que às vezes fico meio confuso.

Era 15 de novembro de 1942 e o diálogo ocorria em um estúdio no Rio de Janeiro, transmitido diretamente à radio CBS dos EUA. Ao redor do microfone estavam Orson Welles - a voz mais famosa do país, graças à transmissão de A Guerra dos Mundos, em 1938, e que havia acabado de estrear no cinema com Cidadão Kane - e Carmem Miranda, que na época já era uma estrela de Hollywood. Ela tinha migrado aos EUA meses antes da guerra - quando o conflito começou, havia estourado na Broadway com o musical Streets of Paris, cantando Mamãe Eu Quero. Lá, ganhara o apelido de brazilian bombshell. Carmen era a encarnação da política de boa vizinhança: em 1940, se apresentou na Casa Branca e no mesmo ano foi eleita a terceira personalidade mais popular de Nova York.

Nas dezenas de filmes dos quais participou em Hollywood, Carmem se tornaria um estereótipo não só do Brasil mas também de toda a América Latina. Já Welles havia sido enviado para cá com a incumbência de gravar um documentário sobre o país - encomenda do Office of Interamerican Affairs. Welles virou figura folclórica nas noites cariocas: acompanhado de tipos como Grande Otelo, tomava proverbiais bebedeiras de cachaça, colecionava amantes e discorria sobre as origens comuns do jazz e do samba para extasiados convivas em bares e boates.

O Office havia enviado ao Brasil outro personagem ilustre: Walt Disney. O Rio de Janeiro foi a principal parada em uma viagem pela América Latina, no início de 1941 - uma espécie de pesquisa de campo para um filme de propaganda da amizade continental. Disney instalou seu QG no Copacabana Palace e cercou-se de artistas locais para sentir o clima. Com a ajuda de cartunistas brasileiros como J. Carlos e Luiz Sá, criou o maior sucesso da Disney no Brasil: Zé Carioca. Aliás, não criou: encontrou. Na comitiva brasileira estava o músico José do Patrocínio Oliveira, paulista de Jundiaí. Como membro do Bando da Lua, a banda de Carmem Miranda, viveu nos EUA, onde aprendeu inglês. Foi assim, sendo ele mesmo, que interpretou o papagaio Zé Carioca na animação Alô, Amigos, de 1942. Pois é, Zé Carioca era paulista. O personagem ainda é publicado no Brasil, enquanto ninguém se lembra mais dele no exterior.

A missão de Welles não foi tão bem-sucedida: em vez de gravar loas ao governo Vargas - conforme a encomenda -, ele registrou a vida nos cortiços cariocas e de tecelões e pescadores pobres no Nordeste. Os rolos acabaram confiscados. As imagens do documentário ainda existem, mas nunca foram montadas.O filme se chamaria: It's All True (É tudo verdade).

Matérias-primas

Os EUA não queriam a amizade do Brasil apenas por bases e danças exóticas nem pagaram com papagaios: como parte dos acordos com o governo Vargas, os EUA financiaram a construção da Usina Siderúrgica Nacional de Volta Redonda - que custou 200 milhões de dólares da época (hoje cerca de 2,6 bilhões de dólares). Do Brasil, os EUA queriam matérias-primas importantes ao esforço de guerra. A principal era a borracha, usada em tanques, jipes, aviões, uniformes e armamentos.

A indústria da borracha estava praticamente morta no Brasil desde o início do século 20. Nativa da Amazônia, a seringueira foi plantada pelos ingleses em suas colônias do Sudeste Asiático e essas plantações tinham uma produção muito maior que as brasileiras, pois estavam livres de pragas nativas. Mas os japoneses ocuparam a região e bloquearam o acesso às plantações. Além disso, o Brasil era fonte de materiais que iam desde minérios simples, como ferro e manganês, até diamantes industriais, óleos vegetais e carne em conserva. E era o único produtor disponível de cristais incolores de alta qualidade, o quartzo, utilizados em aparelhos de comunicação, detectores de som e de localização usados contra submarinos e aviões. A cera de carnaúba, palmeira nativa do Brasil, tem várias aplicações industriais: era usada na produção de vernizes à prova d’água pela indústria bélica. Os bichos da seda, cultivados por pequenos produtores japoneses em São Paulo, eram essenciais na fabricação de paraquedas. E a hortelã-pimenta dava origem ao mentol, que aumentava a potência da nitroglicerina.

Ao decretar guerra aos países do Eixo, Vargas tinha uma dura tarefa de convencimento. Muitos brasileiros admiravam a Alemanha. Havia mais de 200 mil descendentes de alemães no Brasil.

"Cresci ouvindo dizer que os alemães eram o povo mais inteligente e avançado da Terra. Já os EUA não tinham grande expressão antes de 1939. Essa admiração pelos americanos só veio depois dos afundamentos dos nossos navios"

Osias Machado, veterano da Aeronáutica.

Vida de imigrante

Para a sorte de Vargas, os nazistas fizeram sua parte em cultivar o ódio dos brasileiros. Em agosto de 1942, o irmão mais velho de Osias, Messias, vivendo no Rio de Janeiro, mandou um telegrama avisando que iria ao Nordeste no navio Itagiba. Em 17 de agosto, correu a notícia de que o barco fora afundado no litoral de Sergipe. Era a quarta vítima de torpedos alemães no mês - represália ao alinhamento do Brasil com os EUA, no início do ano. Até o fim de agosto, mais de 600 brasileiros morreriam. "Achei que meu irmão estivesse no fundo do mar. Aí, pensei: agora é guerra. Quero vingança." Dias depois, veio o alívio: Messias não havia embarcado no Itagiba. Mas a semente estava plantada.

 "Passei da admiração ao ódio em questão de dias. Juntei um grupo de amigos e saímos quebrando o que fosse de gente do Eixo. Não me arrependo."

Osias Machado, veterano da Aeronáutica.

A raiva de Osias não era incomum. Em 19 de agosto de 1942, uma multidão saiu às ruas de Porto Alegre.

"Formou-se uma grande concentração popular em frente ao Cinema Central, daí irradiando-se por toda a cidade. Os manifestantes saíram correndo pelas ruas, iniciando as depredações que se estenderam até altas horas. Na Sociedade Germania, os manifestantes penetraram no edifício, retiraram os móveis e utensílios para o meio da rua e os incendiaram"

Jornal Correio do Povo, 19 de agosto de 1942.

Brasil e a Segunda Guerra Mundial. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

Até os comunistas aderiram à mobilização de Vargas. Na época, muitos líderes estavam presos. Ainda assim, os esquerdistas em liberdade se uniram ao regime contra o inimigo comum. "Os membros do PCB que não estavam em cana chegaram a criar um slogan na época: “Quem é jovem vai pra guerra”. E a palavra de ordem foi levada a sério", diz o historiador René Gertz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O Estado Novo foi um regime autoritário nacionalista - pelo decreto-lei 406, de 4 de maio de 1938;

*As escolas em língua estrangeira foram proibidas.

*No ano seguinte, foi a vez das igrejas - só o latim sobreviveu nos rituais católicos.

*Quando o Brasil entrou na guerra, também foram proibidas publicações em qualquer língua que não o português.

*Para viajar de um estado a outro, descendentes de alemães, italianos e japoneses precisavam de salvo-conduto emitido pela polícia.

*Descendentes de alemães, italianos e japoneses não podiam se reunir, nem mesmo em casa.

De 1942 a 1945, cerca de 3 mil pessoas foram presas sob acusações de serem "súditos do Eixo" e enviados para 12 campos de prisioneiros, os maiores nas cidades paulistas de Pindamonhangaba e Guaratinguetá.

O preço do azeite

Em janeiro de 1944, na véspera de embarcar para um treinamento nos EUA, Osias, voluntário do 1º Grupo de Caça da Força Aérea Brasileira, resolveu se despedir almoçando à beira da baía de Guanabara. Com o uniforme da FAB, entrou no restaurante Albamar - que existe até hoje - e pediu peixe. De garfo à mão, deu uma espiadela no vidro de azeite. "O azeite custava 20 cruzeiros. O peixe, uns 5", lembra. O azeite era e ainda é importado. Com o comércio internacional bloqueado pelos submarinos alemães, o preço se tornou impraticável. Osias ponderou e deu de ombros, pedindo o peixe sem azeite mesmo. Foi interrompido por uma voz com sotaque português na mesa ao lado, entre indignada e gentil. "Na minha terra, quem vai guerrear almoça de graça. E peixe só se come com azeite. Eu pago tudo." Pela gentileza do lusitano filantropo, Osias pôde enfrentar os nazistas com a força adicional do azeite de oliva.

Racionamento

A falta de itens elementares, como pão branco, gasolina e diesel, tornou-se parte do dia a dia bem antes do rompimento das relações diplomáticas com o Eixo. Em 1939, a escassez de trigo esvaziava os fornos das padarias - o Brasil sempre importou trigo. Em 1942, o governo tentou resolver o problema criando o "pão de guerra", feito com farinha de milho. Os preços eram tabelados. Em São Paulo, o pão branco custava 2,50 cruzeiros. O pão de guerra, 1,60. "Foi um dos momentos em que a mobilização da guerra chegou fundo no cotidiano das pessoas. O pãozinho branco já estava muito instituído entre nós", diz Roney Cytrynowicz, autor da obra Guerra Sem Guerra: a Mobilização e o Cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial.