sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A Cavalaria


Orlando Fedeli
"Agora, quem não tem uma espada, venda o manto e compre uma" (S.Lucas XXII, 36).

"Maldito aquele que não ensangüentar a sua espada" (Jer. XLVIII, 10).

"Por que os inimigos de Deus não são mais os inimigos dos cristãos?" (Guilherme de Tiro pregando a 3ª cruzada – apud Joseph François Michaud, História. das Cruzadas, Ed.das Américas, São Paulo, 19 ??, 7 volumes, Vol. IIl, - pg.12).

 


Introdução

Era um fim de batalha. Foi em Hattin (Tiberíades), em 4 de Julho de 1187. Nessa batalha Saladino desbaratou, por castigo, os exércitos cristãos da Palestina liderados pos chefes depravados. Por toda parte os corpos de cruzados cobertos de sangue atestavam sua fidelidade e, desgraçadamente, sua derrota. Os maometanos haviam triunfado na batalha de Tiberíades. Os principais chefes cristãos e até mesmo o rei de Jerusalém caíram prisioneiros de Saladino. 
Só um homem continuava a lutar. Coberto do ferro e sangue, montado num cavalo branco espumante e exausto, cercado de infiéis, o último cavaleiro resistia. Sua espada descrevia terríveis molinetes e a seu redor estavam mortos os inimigos que haviam ousado aproximar-se dele. Os maometanos o contemplavam, de longe, e no furor de seus olhos brilhava também, apesar de tudo, uma centelha de admiração.
Que homem era esse que não capitulava? Que tipo de homem era esse que não cedia, nem recuava? Quem gerara um filho de tal porte? Quem forjara essa aIma-couraça e esse coração indomável?
Feridos e exangues cavalo e cavaleiro caem por terra. Imediatamente, ele se reergue e se lança sobre os inimigos. Tudo acaba.
Tudo não.
Só não termina a admiração. A morte do herói até a fizera crescer. E os turcos e os curdos, os semi-bárbaros, os maometanos, os inimigos, se aproximam e molham seus albornozes no sangue do cruzado morto, e repartem suas vestes e armas para conservar algo de lembrança do mais valente dos homens. (Cfr. Joseph François Michaud, História das Cruzadas, Ed.das Américas- vol.II pp.397/393).
Quem era este homem de coração de ferro? Que Mãe concebera um tal herói?
Ele era um filho da Igreja Católica. Ele era um cavaleiro.
Era o Marechal do Templo Jacques de Mailly.
Antes da batalha, ele discordara do plano imprudentemente louco que o orgulhoso Grão Mestre do Templo - o péssimo Gerard de Ridefort – havia imposto aos cruzados. O Grão Mestre insultou Jacques Mailly, acusando-o publicamente de covardia: “Você gosta demais de sua cabeça loira, pois que tão bem a quer manter”
Ao que o Marechal do Templo retrucou: “Eu me farei matar como um nobre, e será você quem vai fugir”.
Jacques Mailly partiu ao ataque à frente de 150 cavaleiros templários contra todo o exército maometano, “com um tal ardor que,escreveu Ibn Al-Athir, que as cabeleiras mais negras teriam embranquecido de pavor” (René Grousset, Histoire des Croisades, Plon, Paris, 1934, 3 volumes, III Volume, p. 784).
Gérard de Ridefort escapou vivo da derrota de Tiberíades. Foi feito prisioneiro com o Rei Guy de Lusignan e com centenas de cavaleiros das Ordens Militares. Saladino fez massacrar todos os cavaleiros Templários e Hospitalários aprisionados em Hattin. Mas, Gérard de Ridefort teve a vida poupada...

Isto aconteceu nas Cruzadas, num tempo em que havia fé, tempo em que se seguia o conselho de Cristo: "agora, quem não tem uma espada, venda o manto e compre uma".    
Isto aconteceu na Idade Média, “doce primavera da Fé”, -- primavera na qual podiam acontecer dias de tempestade negra -- quando havia heróis e traidores. Luz e trevas. Inquisição e hereges. Mas em que a Luz dominava as trevas.
Isto aconteceu no tempo em que "havia escudos brancos, quando havia cruzados francos".
Aconteceu nos séculos da fé e da glória.
Aconteceu na Idade Média.





Origem da Cavalaria

A Cavalaria... Um turbilhão de homens, estandartes esvoaçantes ao vento da glória, precipitando-se sobre os infiéis, numa cavalgada de fé e de heroísmo. Que era a Cavalaria? Que era o cavaleiro?
A Cavalaria “era a forma cristã da condição militar” e “o cavaleiro era o soldado cristão” na sua plenitude, segundo explica Léon Gautier. (Cfr. Léon Gautier, La Chevalerie, edição resumida da edição original--Arthaud, Paris 1959, p. 27).
Mais do que uma instituição, a Cavalaria foi um ideal de vida militar. Foi por meio dela que a Igreja transformou os bárbaros em santos. Quando se compara um soldado bárbaro, valente, mas ainda cruel, forte, mas grosseiro, com os santos produzidos pela Cavalaria compreende-se o valor dela. São Luis, rei de Franca, São Fernando, rei de Castela, o condestável de Portugal, Nun’Álvares Pereira, e Santa Joana D' Arc, foram alguns dos santos gerados pela Cavalaria. Gerados pela Igreja, por meio da Cavalaria.
Por isso, ela era admirada até pelos infiéis e – por incrível que pareça – até um comunista como o Padre Joseph Comblin, defensor da Teologia da Libertação, apesar de cair em certa confusão entre nobreza e cavalaria, diz dela o seguinte:

"Apesar de todos os defeitos que são bem conhecidos, a Cavalaria medieval deu a Igreja uma coleção de Santos e Santas, como nenhuma, classe social jamais deu, justamente porque eram a verdadeira elite social, a santidade se multiplicou neles pelo heroísmo de profissão, pela consagração de energias magníficas. Bastaria evocar os santos e as santas, reis e rainhas. Desde o século XIII nunca mais houve tantos santos entre os chefes dos Estados, chamados católicos. Houve muito mais hipocrisia, não houve mais santos. Seria preciso citar os santos de Cluny e Citeaux, os santos Papas e bispos que a nobreza deu a Igreja. Ora, o heroísmo da nobreza posto a serviço da santidade de Cristo marcou profundamente o catolicismo europeu e subsiste ainda como apelo ao heroísmo: p.ex: a vocação missionária de tantos jovens europeus (missionários no sentido de missões estrangeiras) deriva diretamente do espírito de Cavalaria" (Pe. Joseph Comblin, Os sinais dos tempos e a Evangelização - Ed. Duas Cidades - 1968, São Paulo - pg.82)
A Cavalaria foi a transposição do feudalismo para as relações entre Deus e os homens.
O Feudalismo consistia essencialmente numa relação pessoal entre suserano e vassalo pela qual um pertencia ao outro. Eles eram como pai e filho adotivos. O vassalo devia a seu barão honra, serviço e obediência. O suserano devia ao vassalo honra, justiça e proteção. Um era do outro.
Assim como os vassalos de um barão serviam seu senhor, seguiam sua bandeira e defendiam seu feudo, assim os cavaleiros serviam a Deus. Os cavaleiros eram os vassalos de Deus e os soldados da fé. Deus — “le beau Sire Dieu”, o bom senhor feudal, -- era o seu barão.Os cavaleiros seguiam a sua bandeira e queriam reconquistar o seu feudo – a Terra – invadida pelos infiéis e hereges.

Para eles, Nossa Senhora era a Dama, a Senhora, a Rainha que eles deviam servir, como os vassalos serviam a sua castelã, senhora de um feudo terreno. Esta relação feudal de Deus e de Nossa Senhora com os cavaleiros era tão viva, e o modo pelo qual eles se referiam a Deus era tão real, que, às vezes, provocava confusão.
Quando Santa Joana d' Arc apresentou-se, em Vaucouleurs, ao capitão Robert de Beaudricourt, pedindo-lhe soldados para ir salvar a França, deixou-o confuso ao dizer-lhe:
            — "A França não pertence nem ao Sire da Inglaterra nem ao Sire da França, mas a Meu Sire".
            O capitão, espantado, pois já havia dois Reis disputando o trono da França, e agora ela lhe anunciava a pretensão de um terceiro, perguntou:
— “E quem é teu Sire?’
E ela, singelamente lhe respondeu:
— "Messire est Dieu". (Meu Rei é Deus).

Santa Teresa, que nasceu em "Ávila de los Reyes", na "Ávila de los Caballeros", referia-se a Nosso Senhor, chamando-o de Sua Majestade, pois Ele era seu Rei vivo.
Era assim que os cavaleiros viam a Deus. Não como entidade abstrata, mas como ser muito real, que vivia a seu lado, que participava de seus combates.

Qual foi a origem da Cavalaria?

A Cavalaria teve origem na cristianização dos costumes bárbaros. Em todos os povos, mesmo pagãos, se encontra, entre os soldados, a noção de prática de guerra e das virtudes guerreiras de modo elevado. Entre os japoneses, esse ideal formou o código de honra dos samurais. Essa tendência natural do homem de praticar as virtudes bélicas de modo ideal e perfeito foi cristianizado pela Igreja na Cavalaria. Os bárbaros amavam a guerra a tal ponto que ingenuamente imaginavam que no seu céu haveria contínuas batalhas. A Igreja procurou ordenar o ardor bélico dos bárbaros e regular o seu amor e espírito de luta, dando-lhes um motivo – a luta por Deus -- e seu fim: a conquista da Terra Santa.
Na Europa, a Cavalaria nasceu dos costumes germânicos cristianizados pela Igreja. Ela não surgiu por um decreto, nem foi fundada por um homem determinado. Desabrochou naturalmente dos costumes germânicos, sobrenaturalmente purificados pelo cristianismo.
Os bárbaros que invadiram a Europa tinham uma alma heróica. A Igreja procurou regrar sua coragem transformando-a em fortaleza cristã. Já que queriam combater e que amavam a luta, a Igreja lhes deu uma finalidade santa: lutar por Deus. 
Os tempos pacifistas, relativistas e ecumênicos em que vivemos, em que "há guerras e rumores de guerra", tempos próprios para os falsos profetas chamarem “Pax! Pax!”, quando não há paz, não admitem a liceidade da guerra, que consideram um ato bárbaro e injusto em si, sem possibilidade de ser santificado. Tempos, os nossos, em que se vendem as espadas, para se comprarem mantos. Tempos pacifistas que obrigam a uma explicação: a guerra é lícita?
Não é a guerra uma coisa essencialmente contrária, ao espírito cristão? Não se deve buscar a paz? 
A Igreja sempre ensinou que a guerra é um mal, mas um mal, às vezes, necessário, para evitar um mal maior. Ela é como uma operação cirúrgica, que é sempre um mal menor e necessário para evitar o mal maior da morte.
A guerra é uma operação cirúrgica no mundo, para exterminar o câncer da injustiça. Ela visa restabelecer a justiça, porque, sem esta, não há paz verdadeira. "Opus justitiae pax”. A paz é o efeito da justiça. Uma paz que consista apenas na inexistência de lutas armadas é comparável à paz do canceroso que não sabe de seu mal, e que, por isso, não se opera, pensando que está bem, enquanto a morte silenciosamente corrói suas entranhas.
A guerra é, pois, lícita quando visa restabelecer a justiça.
A paz é a tranqüilidade na ordem, ensinou Santo Agostinho. Quando a desordem e a injustiça perturbam a paz, é preciso restaurar a justiça pela espada. Assim como o médico restaura a saúde com o bisturi. A guerra deve visar a restauração da ordem, da justiça e, por elas, a restauração da paz. Por isso dizia. Santa Joana D 'Arc: "Só se obterá a paz, na ponta da lança".
Por outro lado, Santo Agostinho mostra que o mal da guerra não é nem a morte, nem a destruição, mas o ódio. Se a guerra for feita por amor à justiça, ela será um ato virtuoso. Por isso, Cristo não condenou o uso da espada, antes pelo contrário, ordenou que São Pedro a guardasse, para usá-la, quando fosse justo e conveniente. 
A guerra é inevitável, porque sempre haverá maus.
            "Não podendo acabar com a guerra, a Igreja cristianizou o soldado", diz Léon Gautier (op. cit. p. 31).
            "O soldado cristão não é homicida, na guerra, e sim um malicida", diz Santo Agostinho, pensamento que será repetido por São Bernardo ao escrever o seu Elogio da Nova Cavalaria, justificando a existência do monge guerreiro Templário. Nesse trabalho, “São Bernardo denuncia e lamenta a cavalaria do mundo,e, brincando com as palavras (militiamalitia) denuncia essa “malícia do mundo” (non dicomilitiae sed malitiae) a Milícia Cristã contra a Malícia do mundo ( Alain Demurger, Les Templiers, Éditions du Seuil, Paris, 2005, p. 61). 


 
Nestes tempos de ecumenismo relativista, uma condenação de princípio é proclamada -- sem análise e sem base -- contra a guerra, e em particular contra a cruzada, pois estulta e ateisticamente se julga que a guerra mais injusta é aquela que visa defender a honra e os direitos de Deus. E isto pede uma resposta à questão posta: A Cruzada, isto é, a guerra religiosa, é permitida ou desejada por Deus? A Cruzada é lícita, ou é condenável? Como a Igreja pregou Cruzadas?
E estas perguntas revelam a tibieza e o bruxulear de uma fé enfermiça já moribunda. 
A Cruzada é legítima? 
Se é lícito fazer guerra para combater uma invasão, ou uma agressão injusta à pátria, quanto mais justo é lutar para defender a fé atacada pelos inimigos de Deus. Se é justa a legítima defesa de uma cidade atacada por saqueadores, muito mais justa é a defesa da Cidade de Deus atacada pela Cidade do Homem, assaltada por heresias e erros insinuantes ou agressivos. De todas as guerras, portanto, a guerra religiosa, a Cruzada, é a mais legítima e santa, porque visa combater a maior injustiça: a que é feita contra Deus e sua Igreja. Visa enfrentar o ataque materialmente armado contra a Verdade. Verdade sem a qual não há nem vida, nem liberdade verdadeira. “A liberdade necessita de uma convicção”. A liberdade precisa sempre da verdade (Cfr. Bento XVI, Spe salvin0 .24). Só combate, quem tem certezas. E só tem verdadeira certeza, quem tem Fé. É da certeza da Fé que nasce a Cruzada.
Em consonância com esta doutrina, a Igreja pregou a Cruzada – a Guerra Santa – visando libertar a Palestina das mãos dos muçulmanos.
São Bernardo, um dos grandes doutores da Igreja, ele mesmo pregou a Segunda Cruzada. Eis suas palavras em Vezélay, quando arrebatou a nobreza francesa para lutar no Oriente:

"A terra estremeceu (Sal.17,8) porque o Senhor do céu principiou a perder a terra que é muito sua. Muito sua, insisto, porquanto nela, durante mais de trinta anos, a palavra invisível do Pai se tornou visível, instruiu o povo, e como um homem conversou entre os homens (Bar. 3,38). Muito sua, por a ter glorificado com os seus milagres, consagrado com o seu sangue, adornado com as primeiras flores de sua gloriosa ressurreição. E agora, devido aos nossos pecados, os inimigos da Cruz ergueram o seu estandarte blasfemo, e destruíram com fogo e ferro a Terra Santa, Terra de Promissão! Em breve, a menos que encontrem forte oposição, irromperão na cidade do Deus dos vivos, para destruir os preciosos monumentos de nossa redenção e devastar os lugares sagrados, outrora avermelhados pelo sangue do Cordeiro Imaculado. Ai de nós! Ardem no profano desejo de invadir o próprio santuário da religião cristã, e violar o sepulcro, onde Cristo, que é a nossa vida (Col.3,4), por nós, dormiu o sono da morte
Que fareis, "bravos cavaleiros? Que fareis, soldados cristãos? Deverei crer que lançareis aos cães o que é sagrado, e as pérolas aos porcos? (Mat. 7,6) 

Oh quantas multidões de pecadores, confessando as suas penas com arrependimento, se reconciliam com Deus naquela Terra Santa, desde que as espadas dos guerreiros cristãos repeliram de lá os loucos pagãos! Viu-o o pecador e se indignou; rangeu os dentes e consumiu-se (Sal. CXI,10).    
Agitou os instrumentos de sua impiedade; e, se alguma vez lograr apoderar-se do Santo dos Santos, (que Deus nunca o permita), não tolereis que permaneça vestígio de sua passagem junto dos monumentos e lugares associados com a paixão de Jesus Cristo.
Que dizeis, irmãos? Se fosse anunciado que o inimigo invadiu as vossas cidades, violou os vossos lares, ultrajou vossas famílias e profanou vossas igrejas, qual de vós não pegaria em armas? Fareis menos pela honra de Jesus Cristo? Todos esses males, e outros ainda piores atingiram a sua família, da qual sois membros. O lar do Salvador foi perturbado pela espada dos sarracenos; os bárbaros destruíram a casa de Deus e dividiram entre si a sua herança. Hesitareis em debelar semelhante mal em vingar tal perversidade? Suportareis que os infiéis contemplem em paz a extensa ruína que oneraram entre o povo cristão? Recordai que o seu triunfo será motivo de desgosto inconsolável para gerações futuras, e de desgraça perpétua para nós que o consentimos. E mais do que isso: o Deus dos Vivos encarregou-me de proclamar que se vingará de todos os que se recusem defendê-lo de seus inimigos. Às armas, pois! Que uma indignação sagrada vos anime ao combate, e que o grito do profeta vibre por toda a cristandade: "Maldito seja aquele que não ensangüentar a sua espada
" (Jerem. XL VIII, 10). (J.F. Michaud, História das Cruzadas, ed. cit., vol.II – pp..235/236 e A. Lubby, S. Bernardo)

Apesar de tudo, porém, a guerra é um mal, e a Igreja, sabiamente, procurou restringi-la. Ela limitou o número dos combatentes, ao fazer com que só os nobres fossem obrigados a lutar. Limitou o tempo de guerra, por meio da Trégua de Deus, proibindo combater nos quarenta dias da quaresma, nos quarenta dias do Advento, nos dias santos, como desde a Quinta feira até o fim do Domingo, em homenagem à Paixão de Cristo.

“A “trégua de Deus” – como se chamava, esse armistício periódico — pouco a pouco, foi estendido, ao mesmo tempo que às grandes festas, aos três dias da semana (desde a noite de Quarta feira) que precediam o domingo e pareciam prepará-lo. Tanto que,no fim das contas, a guerra dispunha de menos tempo que a paz” 
(Marc Bloch, La Société Féodale, Albin Michel, Paris, 1968, p. 571).

Como a Igreja proibiu também o emprego de certas armas, julgadas então por demais mortíferas:

Desde 1139, a Igreja proíbe o uso por demais mortífero do arco e da arbaleta em todos os combates entre cristãos” (Léon Gautier, La Chevalerie, ed. cit., p. 39).

            Em campo raso o nobre não podia usar o arco, que não exigia coragem maior pois se atacava o inimigo longe dele. Era lícito usá-lo apenas em cercos de castelos. Proibiu ainda fazer guerra aos fracos, aos que não podiam normalmente usar armas (clérigos, mulheres, doentes, camponeses):

Enfim, a Igreja tinha como seu dever particular proteger, com seus membros, todos os fracos, essas Miserabiles personnae” das quais o direito canônico lhe confiava a tutela” (Marc Bloch,La Société Féodale, Albin Michel, Paris, 1968, p. 569).

Não contente com isso, a Igreja atacou o próprio cerne do mal da guerra que é o ódio. Para isso, Ela criou a Cavalaria, e deu ao soldado o ideal de, até combatendo, obedecer as leis de Deus, e o dever de amar os inimigos. Era a caridade cristã que mandava também respeitar o inimigo valoroso e leal.
Os cavaleiros eram os “miles Christi”, os soldados de Cristo.
A Cavalaria era então o exército de Deus, e seus membros - os cavaleiros – tinham entre si uma solidariedade muito grande, que superava as rivalidades feudais e nacionais. 
Nela, a única hierarquia existente era a do valor. As desigualdades sociais e políticas eram transcendidas pelo espírito de bravura e de proeza. O rei Francisco I, já no tempo da decadência da Cavalaria, quis fazer-se armar cavaleiro por Bayard, o famoso "chevalier sans peur et sans reproche", que, na escala feudal, era de pequena nobreza, no final da batalha de Marignano (Cfr. Marc Bloch, La Société Féodale, ed. Cit., p. 340). 
Qualquer pessoa podia tornar-se cavaleiro, embora fosse mais comum que os nobres, por serem militares, se tornassem membros da Ordem.
Nem todo nobre, nem todo soldado, era cavaleiro.
Para isto era preciso:
I) Ter o ideal de praticar todas as leis de Cavalaria e de lutar por Deus.
II) Ser recebido na Ordem da Cavalaria

Isto se fazia por uma cerimônia que passou por várias formas, no decorrer dos séculos.

 
Admissão à Cavalaria

A cerimônia para admissão de um candidato à Cavalaria tinha variantes que foram se aperfeiçoando, para melhor “armar-se”, ou “fazer-se” um cavaleiro.
A Cavalaria era urna instituição aberta, isto é, homens de qualquer classe social podiam ser armados cavaleiros. Só eram excluídos os doentes, os estropiados, os desonrados. Normalmente, porém, como já salientamos, os cavaleiros eram de origem nobre, porque a função da nobreza era combater, e a Cavalaria consistia em combater por Deus e pelo bem.
O jovem era armado cavaleiro ao atingir uma idade e um desenvolvimento que o tornassem apto ao combate. A cerimônia se realizava antes ou depois das batalhas, ou nas grandes festas religiosas. Festas preferidas para armar cavaleiros eram a de Pentecostes ou a festa da Páscoa, especialmente a primeira, em que se festeja o nascimento da Igreja pela qual o cavaleiro devia lutar.
Inicialmente, foi costume armar cavaleiro, no próprio campo de batalha, aquele que se destacava por uma grande proeza. Então, em meio aos mortos e feridos, entre o sangue, o ferro e o fogo, aos cânticos de guerra, ao som de trombetas e tambores, bandeiras ao vento, um cavaleiro entregava a um herói vitorioso a espada que fazia dele um cavaleiro. Era a consagração, na glória da vitória.
Mais raramente armavam-se cavaleiros antes das batalhas como o Rei D.João I de Portugal o fez em Aljubarrota para 60 nobres, mandando-os depois combater, na primeira linha dizendo-lhes:

"Belos senhores, eu vos envio no primeiro escalão da batalha. Fazei tanto que aí obtenhais honra, porque do contrário vossas esporas de ouro teriam sido mal colocadas".

Porém, era após a suprema vitória que os guerreiros preferiam ser armados cavaleiros. Assim, quando sob as muralhas de Antioquia Godofredo de Bouillon, entusiasmado pela valentia e pelas proezas de Gontier d' Are quis armá-lo cavaleiro, incontinente, o jovem herói recusou dizendo - "Não, não, nada de armar-se, nada de novos cavaleiros, antes que tenhamos conquistado o Santo Sepulcro” E comenta Léon Gautier: "Essa palavra não está longe de ser sublime" (Léon. Gautier, La Chevalerie, p. 253 da edição original, da qual não copiamos a data da edição, quando fizemos a primeira redação deste texto há mais de quarenta anos atrás. OF).

Quando não era nos campos de batalha, nos primeiros tempos, o cavaleiro era armado na escadaria de entrada do castelo. Alguns foram armados no leito de morte.
Todo cavaleiro podia armar outro cavaleiro, assim como todo católico, em caso de necessidade, pode batizar um pagão, ou como um bispo pode sagrar outro bispo.
Normalmente o padrinho era o próprio pai, um parente próximo, ou o senhor feudal. Por vezes, o candidato tinha vários padrinhos, e mais tarde, quando a cavalaria decaiu, até madrinhas.

Historicamente houve três formas ou "ritos" para armar um cavaleiro:
I) a forma militar
II) a forma religiosa
III) a forma litúrgica.

O ritual militar se relacionava diretamente com os costumes germanos de entregar armas a um novo soldado da tribo. O essencial desse rito militar consistia na entrega das armas ao novo cavaleiro, especialmente a espada, além de se dar ao candidato um forte golpe com a mão: o “adoubement”.

“O “doubement
” (do francês arcaico dubban = bater, golpear) até então simples rito militar,do qual o gesto essencial era um golpe dado pelo iniciador com a mão ou com a espada, tornava-se assim uma liturgia calcada sobre a da “porrection” (do latim porrigere= estender, entregar) instrumentos no curso da ordenação sacerdotal” (Jean Chélini, Histoire Religieuse de L´Occident Medieval, Hachette, Paris 1991, p. 374).

Entre os germanos, a cerimônia era à imagem de uma civilização guerreira. Sem negar outros traços — tais como o corte dos cabelos, que por vezes se encontra mais tarde na Inglaterra, unido ao adoubement essencialmente cavaleiresco --, elas consistiam essencialmente numa entrega de armas, que Tácito descreveu e cuja persistência, na época das invasões, foi confirmada por alguns textos. Entre o ritual germânico e o ritual da Cavalaria, a continuidade não é duvidosa”(Marc Bloch, La Société Féodale, ed .cit. p. 436).

Na Idade Média cristã, quem pretendia ser armado Cavaleiro, primeiro se banhava, depois era vestido, e lhe punham as esporas nos pés, revestiam-no da cota de malha, cobria-se-lhe a cabeça com o elmo, e cingia-se-lhe a espada à cintura. Depois disto, o padrinho dava ao novo cavaleiro um grande tapa na nuca, dizendo-lhe algumas palavras, como por exemplo: “Sê verdadeiramente um cavaleiro e corajoso contra todos os teus inimigos”. Ou então: "Não esqueças de ser fiel a teu senhor". Ou mais simplesmente ainda: "Sê valoroso". Estas duas palavras dizem muito. Elas dizem tudo. (L. Gautier, op cit., pg. 285).
 A seguir, o cavaleiro saltava a cavalo sem usar os estribos, galopava pelo campo, e derrubava um manequim (a quintana) com um grande golpe de lança. E assim ficava encerrada a cerimônia.

As canções de gesta narram com estilo saboroso a armação do cavaleiro. Léon Gautier resume uma delas:

O início de ‘Elias de Saint Gilles’ é, sob esse ponto de vista, uma obra prima de exposição selvagem e verdadeira. O pai de Elias, Julien de Saint Gilles, tem a barba toda branca. É um altivo barão que nunca se tornou culpado de uma traição, que sempre amou o filho de Santa Maria, que honrou os morteiros e fez construir portas e hospedarias para os pobres viajantes. Mas enfim, ‘há cem anos é que ele foi armado cavaleiro’, e ele sente a necessidade de ‘repousar e viver bem’. Então, ele faz vir seu filho Elias, ou antes, o faz comparecer diante de si na sala ‘jerrine’. Para excitar a cólera do jovem, ele o repreende de não ter praticado ainda nenhuma façanha: ‘na tua idade, diz ele, eu havia já conquistado castelos, fortes e cidades’, O jovem Elias se irrita sob o aguilhão dessas palavras, tanto mais que o ancião se pergunta ‘bem alto se seu filho não seria chamado a viver num claustro e ser ‘monge recluso no Natal ou na Páscoa’. Isto já é demais, Elias quer partir e deixar para sempre esse castelo no qual ele é forçado a engolir tais ultrajes: ‘Cala-te, infeliz, cala-te lhe grita seu pai. Imaginas partir assim, sem escolta e sem armas? Mas diriam ao te ver passar nas estradas: ‘Vede esse jovem? É o filho de Julien-à-la-Barbe. Seu pai o expulsou de sua terra’. Não, não, tu não partirás assim. E eu vou agora mesmo, te fazer cavaleiro’. Voltando-se então para seus homens diz: ‘que preparem uma quintana e que me tragam minhas armas’. A cerimônia começa imediatamente. O velho cinge a espada em seu filho; depois, levantando a mão e deixando-a cair como um martelo sobre a nuca do filho, esse terrível centenário lhe dá um tal golpe, que Elias é meio derrubado. O novo cavaleiro sente a cólera subir-lhe a cabeça e falando baixinho cobre seu pai de ameaças contidas. ‘Ah! diz ele, se fosse um outro! Mas é meu pai e meu dever é de não me queixar’. Ele se acalma, levanta a cabeça, monta bruscamente a cavalo e abate com um golpe de mestre todo o aparelho da quintana. ‘Ele será um valoroso’ exclama então o velho encantado” (L .Gautier, op. cit, pg. 283/284).

A armação de cavaleiro, a de Galien, em rito militar, foi narrada por uma lenda. Ela teria ocorrido em Roncesvalles. Galien era filho de Olivier que morreu na batalha dizendo-lhe "Ama o imperador Carlos e desconfia de Ganelon". Galien se lança então sobre os pagãos e faz mil façanhas e proezas e se cobre de sangue e de glória.

"Este herói não era ainda cavaleiro, e se assistiu então a um grande milagre. O corpo inanimado de Roland estava lá, sob os olhos do imperador, sob os olhos de Galien. Em meio ao silêncio, o braço direito do amigo de Olivier se levantou lentamente e estendeu a Carlos sua espada pela ponta. O rei compreendeu e presenteou Galien com esta incomparável espada; depois, por uma inspiração sublime: ‘Tu serás cavaleiro’, lhe diz. Mas para um tal cavaleiro era preciso um ‘adoubement’ que não fosse banal. O filho de Pepino se inclina para Roland, toma o braço do morto, e faz dar por esta mão fria o tapa (collée) em Galien. Ora, jamais ‘collée’ fora dada desse modo, e desde então jamais o foi. Foi a única vez, mesmo em nossa lenda, que um cavaleiro vivo foi assim feito e criado por um cavaleiro morto" (Resumo de Viaggio di Cario Magno in Spagna, apud Léon Gautier op. cit - pg. 268/269 e nota 1 da edição original).

Porém, muito mais bela que a lenda fantasiosa é a realidade.

“Em 1213, Simon de Montfort tinha cercado de um piedoso brilho, digno de um herói cruzado, o adoubement de seu filho, que dois Bispos, ao canto do Veni Creator, armaram cavaleiro para o serviço de Cristo. Ao monge Pierre des Vaux de Cernay, que assistiu a esse ato, essa cerimônia arrancou um grito característico: “ ò novo modo da cavalaria! Modo até aqui inaudito!
 (Marc Bloch, La Société Féodale, Albin Michel, Paris 1968, p. 340).
Isto aconteceu na festa de São João, em 24 de Junho de 1213, em Castelnaudary, lugar de outra vitória espetacular de Simão de Montfort sobre os cátaros.
Amaury de Montfort era o primogênito dos sete filhos que Simão de Montfort teve de sua esposa Alix de Montmorency. Simão quis que o adoubement fosse litúrgico, o mais solene de todos, no qual um Bispo benze e cinge a espada no neo cavaleiro durante uma missa pontifical.
A noite precedente, era passada solitariamente em vigília de orações pelo candidato a receber o adoubement. A espada era benta pelo Bispo enquanto se cantava o Veni Creator. Simão de Montfort quis que seu filho Amaury fosse armado, não apenas como simples cavaleiro, mas expressamente como Cavaleiro de Cristo (Dominique Paladilhe, Simon de Montfort et le Drame Cathare, Perrin, Paris, 1988, pp.208-209).

E esta cena nos leva ao ritual religioso da armação de um cavaleiro.

 
O ritual religioso

Todo o ritual militar, tão cheio de símbolos e de grandeza, pecava, porém, por omissão de qualquer referência a Deus.
Uma época tão católica quanto a Idade Media devia logo fazer penetrar o espírito da religião nesse ritual ate então um tanto bárbaro. Foi assim que nasceu o ritual religioso.
Ele ainda é laico no sentido de que era um leigo que armava o novel cavaleiro. Mas já a alma católica impregnava a cerimônia como um sopro de Deus.
Esse ritual ainda se processava em língua vulgar, ao contrário do ritual litúrgico, que era todo em latim.
O ritual religioso constava de cinco partes:

1º - Vigília de armas
2º - Missa
3º - Deposição das armas no altar
4º - Benção das armas e da espada
5º - Sermão e "collée" (golpe de mão ou de espada)

A vigília de armas consistia em passar a noite inteira, de pé ou de joelhos, numa capela ou igreja, rezando e meditando na finalidade da cavalaria, isto é, na defesa de Cristo e de sua Igreja, pois Deus na História tem as mãos atadas e suplica que o defendamos.
Pela manhã, o cavaleiro, tendo se confessado, assistia a Missa e comungava. A seguir, as armas que ser-lhe-iam entregues, eram depositadas sobre o altar para que a pedra de sacrifício do Deus vivo transmitisse algo da Santidade de Deus à espada que, como a Cruz de Cristo era “feita de misericórdia e de justiça” (Discurso de um general brasileiro, ao receber a espada em Brasília, em 1974)
O sacerdote, a seguir, benzia todas as armas e especialmente a espada. Quem a cingia porém no recebedor era outro cavaleiro.
O sacerdote dizia então ai guinas palavras: "Que o Deus verdadeiro te dê coragem". Ou então "Se te dou essa espada, é sob a condição de que sejas o paladino do Senhor" (L. Gautier ob cit pg. 290).
O tapa do adoubement era, por vezes, substituído já por 3 golpes de prancha de espada, no ombro. E a seguir o cavaleiro saía da Igreja para galopar e dar um golpe de lança, na quintana.


O ritual litúrgico

Há três textos para a "Benção do novo cavaleiro":

a)  o "ordo vulgatus"
b)  o Pontifical de Guillaume de Briand
c)  o Pontifical vaticano

Conforme o Pontifical de Guillaume de Briand, a "sagração" do novo cavaleiro se realizava durante a Missa celebrada por um bispo. Logo após o gradual, é que se dava a benção da espada.

"Abençoai esta espada, Senhor, afim de que vosso servo possa ser, doravante, contra a crueldade dos hereges e dos pagãos, o defensor das igrejas, das viúvas, dos órfãos e de todos os que servem a Deus".

E o bispo acrescentava:

"Abençoai esta espada, Senhor Santo, Pai todo poderoso, Deus eterno; abençoai-a em nome do advento de Jesus Cristo e pelo dom do Espírito Santo consolador. E possa vosso servo, que tem vosso amor por principal armadura, possa espezinhar todos os teus inimigos visíveis e, senhor absoluto da vitória, possa permanecer sempre ao abrigo de todo ferimento".

E em seguida o bispo recitava uma oração extraída de palavras do Antigo Testamento:

"Bendito seja o Senhor Deus que formou minhas mãos para o combate e meus dedos para a guerra. Ele é minha misericórdia. Ele é meu refugio. Ele é meu Redentor”.

E depois:

"Deus santo, Pai onipotente, Deus eterno, que sozinho ordenastes todas as coisas, e as dispusestes como é conveniente, é para que a justiça tenha aqui na terra um apoio, é para que o furor dos malditos tenha um freio, é por essas duas causas somente que, por urna disposição salutar Vós permitistes aos homens o uso da espada. Ê para a proteção do povo que desejastes a instituição da Cavalaria.A uma criança, a Davi, outrora, Vós destes a vitória sobre Golias. Vós tomastes pela mão Judas Macabeu, e lhe destes triunfo sobre todas as nações bárbaras que não invocaram vosso nome. Pois bem, eis vosso servo, que curvou recentemente a fronte sob o jugo da condição militar: envia-lhe do alto do céu as forças e a valentia de que ele precisa  para a defesa da justiça e da Verdade; dai-lhe o aumento da fé, da esperança e da caridade; dai-lhe o temor e o amor, a humildade e a perseverança, a obediência e a paciência. Disponde tudo nele ,como é preciso, afim de que com esta espada ele jamais golpeie injustamente ninguém, e a fim de que ele defenda com ela tudo o que é justo, tudo o que é reto".

Marc Bloch cita outra oração desse ritual:

Sem dúvida, não é por acaso que a época na qual viveu esse santo adoubé [São Luis, Rei] deu nascimento à nobre oração que, recolhida noPontifical de Guillaume Durandoferece-nos como que o comentário litúrgico dos cavaleiros de pedra, erguidos pelos escultores, no portal de Chartres, ou no reverso da fachada de Reims:“Senhor Santíssimo, Pai onipotente,... Tu que permitistes, na terra, o emprego da espada para reprimir a malícia dos maus e defender a justiça; que, para a proteção do povo quisestes instituir a Ordem da Cavalaria... dispondo seu coração ao bem, faz com que teu servidor, que aqui está, jamais use desta espada, ou a de um outro, para prejudicar injustamente ninguém; mas que ele sempre se sirva da espada para defender a Justiça e o Direito” (Marc Bloch, La Société Féodale, Albin Michel, Paris 1968, p. 444).

O bispo tomava então a espada que estava sobre o altar e a entregava ao cavaleiro dizendo-lhe: "Recebe esta espada, em Nome do Pai, do Pilho e do Espírito Santo" e, pondo a espada na bainha, cingia com ela o cavaleiro, ajoelhado diante do altar, dizendo: "Se cingido com a espada, ó poderosíssimo".         

O Cavaleiro, então, desembainhava a espada e, de pé, dava golpes no ar, "enxugava" a espada do sangue dos inimigos, e guardava-a então em sua bainha.
O Bispo e o Cavaleiro trocavam então o ósculo da paz, enquanto o Bispo lhe dizia:

Sê um soldado pacífico, corajoso, fiel e devotado a Deus", e batia levemente com a mão no rosto do cavaleiro.

Exclamava então o bispo em voz alta, "Desperta do mau sono e fica vigilante na honra e na fé de Cristo".

Então outros cavaleiros colocavam-lhe as esporas e se fazia a benção solene da bandeira.
E o pontifical terminava com estas palavras:

"His dictis, novus miles vadit in pace". (Com estas palavras, o novo Cavaleiro vá em paz).

E o novo guerreiro partia “in pace” (L. Gautliier, La Chevalerie, pp. 301 a 303).
O que não queria dizer que não teria combates. Por isso, o poeta alemão Thomasin, escreveu:

"Não queira ter o mineter de Cavaleiro quem só quiser viver suavemete“ (Apud Marc Bloch, La Société Féodale, ed. Cit., p. 442).
No “ordo vulgatus romanus”, a cerimônia começa com a benção da bandeira. O bispo invoca a Deus, "verdadeira força dos triunfadores" afim de que este gonfalão seja “envolvido pelo nome de Deus”, e se torne terrível para os inimigos do povo cristão. 
A seguir benzia-se a lança e a espada, invocando-se São Miguel, chefe da Cavalaria celestial, e os santos guerreiros do antigo Testamento.

Recebe este gládio cora a benção de Deus e possas pela virtude do Espírito Santo repelir, com a ponta desta espada, todos os teus inimigos e todos os inimigos da Santa Igreja".

Benzia-se o escudo e invocava-se para o novo cavaleiro a proteção dos santos guerreiros S. Maurício, S. Sebastião e S.Jorge.

No pontifical vaticano, ao entregar a espada, o consagrante dizia:

"Toma esta espada. Exerce com ela o vigor de justiça; abate com ela o poder da injustiçaDefende com ela a Igreja de Deus e seus fiéis. Dispersa com ela os inimigos de Cristo. O que está por terra, levanta-o. O que levantastes, conserva-o. O que é injusto aqui na terra, abate-o. O que é conforme a ordem, fortifica-o. É assim que, glorioso e altivo, unicamente pelo triunfo das virtudes, justitiae cultor egregius, chegarás ao Reino dos Céus, onde com Jesus Cristo de que trazes a marca, reinarás eternamente". (L. Gautier, La Chevalerie, pp. 304 a 306).

Desde o princípio dos “adoubemennts” ainda semi bárbaros, se tinha a idéia de que o cavaleiro saía das fileiras dos homens comuns, do vulgo, e entrava num grupo especial. Num “ordus novus” — numa nova ordem, como se dizia na Idade Média. (Cfr. Marc Bloch, op. cit., p. 438).
Só mais tarde é que surgiram propriamente as Ordens de Cavalaria, com votos específicos. 
Após a conquista de Jerusalém, fundou-se uma primeira Ordem de Cavalaria de caráter religioso: a dos Cavaleiros do Santo Sepulcro. Mais tarde, nasceram a Ordem dos Cavaleiros de São João, ou do Hospital de Jerusalém, que depois se tornou a Ordem dos Cavaleiros de Rodes, e em seguida dos Cavaleiros de Malta. No século XII, com São Bernardo, a pedido de Hugues de Payen, nasceu a famosa Ordem do Templo.
Na península ibérica, nasceram as ordens de São Thiago, de Alcântara, de Calatrava, e a Ordem de Cristo, que fez os grandes descobrimentos. Na Alemanha, ganhou renome a Ordem dos Cavaleiros de Santa Maria ou dos Cavaleiros Teutônicos.
Todas estas ordens visaram a defesa militar da cristandade atacada pelos infiéis e pelos pagãos, além de cuidar dos pobres e necessitados.
Estas eram Ordens monásticas militares, pois que seus membros faziam votos de pobreza, obediência e de castidade, e se sujeitavam a uma regra conventual, própria a cada ordem. Eram então monges-soldados.
Não é dessas ordens monásticas que trataremos, mas sim, apenas da Cavalaria, em sentido geral, contando seus costumes, seu heroísmo e sua grandeza.

 
O código da Cavalaria

Desde que alguém se tornasse cavaleiro, ficava obrigado a respeitar certas leis que o costume consagrara, e que formavam o código da cavalaria.
Este código jamais foi escrito. Os historiadores o deduziram do exame da vida dos cavaleiros. Constava ele de 10 mandamentos que todo cavaleiro devia respeitar para ser digno de seu título.

1 º Mandamento: Crerás em tudo quanto ensina a Igreja.

Para ser cavaleiro, era preciso ser católico. Os cavaleiros eram os soldados da fé. Nenhum herege ou infiel podia receber a espada de cavaleiro.
Quando São Luís, rei de França, estava preso no Egito com todo seu exército, morreu o sultão desse país. O sucessor dele, Turan Sha, que algumas crônicas árabes chamam de Almoadan, era um homem degenerado pelos vícios e incapaz de governar ou de lutar. Os mamelucos do Egito, entretanto, não queriam entregar-lhe o poder e organizaram uma conspiração para matá-lo.
Em 2 de maio de 1250, após um banquete que Turan Sha ofereceu aos emires de seu exército, os Bahrides, repentinamente, invadiram sua tenda desabres nas mãos. O primeiro que feriu o sultão foi o guerreiro Bibars, o vencedor da batalha de Mansurah, e que depois se tornará bem famoso. O sultão conseguiu aparar os primeiros golpes, sendo ferido apenas na mão.

Turan Sha se refugiou então numa torre, que dominava o Nilo, e nela se trancou. Do alto da torre, ele implorava aos mamelucos, que tentavam forçar a porta, que o poupassem e que ele lhes daria tudo o que tinha.
Clamava:

Não quero mais o império, deixai-me retornar a Hisn Kaîfa, ó Muçulmanos. Não há entre vos que me defenderá e me salvará?”

Não conseguindo arrombar a porta torre, os mamelucos, por fim, incendiaram-na. Turan Sha lançou-se do alto da torre e depois, correndo, se jogou no rio Nilo, na esperança de alcançar uma barca. Seus inimigos lançaram-lhe uma chuva de flechas. Para se salvar delas, o sultão mergulhou até o pescoço, e não suportando mais, voltou à margem do rio, e suplicava que o deixassem partir para seu pequeno feudo de Diyarbekir.
Bibars, em resposta lhe deu um golpe de sabre que jogou o miserável Turan Sha de novo na água. Um segundo golpe de sabre lhe arrancou um braço.
O cadáver do sultão foi tirado do Nilo por meio de um arpão. As crônicas árabes contam que ele foi o sultão que morreu pelo fogo, pela água e pelo ferro. (Cfr. René Grousset, Histoire des Croisades et du Royaume Franc de Jerusalem, Plon, Paris 1936, volume III, p. 487 ; Cfr. Michaud, História das Cruzadas, ed. cit., vol.V, pp. 83/84). 
A seguir os mamelucos, ébrios de sangue, começaram a matar os cristãos prisioneiros. Os gritos de dor e de ódio ecoavam por toda parte.
Foi então que o mameluco Oghotai ou Octai, com o sabre ensangüentando nas mãos, entrou na tenda onde estava preso São Luis.
Eis como as crônicas descrevem a cena:

“Ele veio até o rei, com sua mão toda ensangüentada, e lhe disse: “Que me darás por ter morto o teu inimigo?”
E o Rei São Luis nada lhe respondeu
”.

Oghotai podia pedir o que quisesse: terras, títulos, os 400.000 bizantinos de ouro fixado para resgate do rei dos francos...

Silêncio tão eloqüente de heroísmo como os apelos guerreiros de pouco antes, silêncio real no qual a majestade do santo monarca esmaga com sua tranqüilo desprezo a barbárie das hordas vitoriosas; serenidade diante dos regicidas, pela qual o rei franco se mostra ainda maior do que no campo de batalha” (Joinville, Crônicas, 353, apud René Grousset, Histoire des Croisades et du Royaume Franc de Jerusalem, Plon, Paris 1936, volume III, p. 489). 

Outro historiador conta que Octai encostou o sabre no peito do rei e ameaçou:
— Faze-me cavaleiro ou estás morto.
— Faze-te cristão e eu te farei cavaleiro, contestou-lhe São Luis.
Octai, depois de hesitar um instante, baixou o sabre e se retirou. (J. F. Michaud, História das Cruzadas, Editora das Américas, São Paulo, ed. cit., Vol. V, pp. 87/88).

Oh! Admirável prestígio da Cavalaria! Oh! mais admirável intransigência de São Luis!
Tal era a admiração que os infiéis tinham pelo título de cavaleiro. Tal era a glória da Cavalaria. Tal era a intransigência de um cavaleiro-rei. Pois não se concedia o título de cavaleiro a quem não tivesse fé católica. E o que outrora os pagãos e infiéis admiravam na Igreja, hoje os católicos esqueceram ou repudiaram. E a intransigência católica era uma das causas da admiração dos infiéis.

"Quando os cavaleiros assistiam Missa e chegava a leitura do Evangelho, em silêncio eles desembainhavam as espadas e as mantinham nuas e eretas diante do rosto, enquanto durasse a leitura sagrada. Esta altiva atitude queria dizer: se for preciso defender o Evangelho, nós estamos aqui. Neste gesto estava todo o espírito da Cavalaria”. (L. Gautier, La Chevalerie, p.30).

Toda a vida do cavaleiro era impregnada pela fé. Seus hinos de guerra eram os cantos da Igreja. As tropas de São Luis partiram de Aigues-Mortes, em barcos engalanados, cantando o Veni Creator. E as senhas de guerra eram jaculatórias, e as contra-senhas responsórios litúrgicos. A vitória e a derrota vinham de Deus. Ele é que assistia os Cavaleiros em suas batalhas.
 
Em 1102, quando da invasão dos árabes fatimitas do Egito, comandados por Al Afdal. Depois de passarem por Ascalon, os maometanos foram em direção de Ramla.
O Rei Balduíno I, já vencera os fatimitas do Egito na primeira batalha de Ramla, em 7 de Setembro de 1101, quando com 260 cavaleiros e 900 infantes derrotara espetacularmente a 200.000 maometanos. Antes da batalha, ele se dirigiu a seus poucos soldados, dizendo-lhes: "Se fordes mortos, tereis a coroa do martírio. Se fordes vencedores, tereis uma glória imortal. Quanto a querer fugir, será inútil: a França está muito longe”.
E prostrando-se diante da verdadeira Santa Cruz, o Rei Balduíno confessou publicamente seus pecados ao Bispo Gérard. Então atacou como um leão. O Bispo Gérard o seguia, levando a Santa Cruz. Com a Cruz, o Rei Balduíno I venceu. Em pouco tempo, o imenso exército fatimita foi completamente desbaratado.
 Meses depois, em 17 de Maio de 1102, numa segunda batalha, em Ramla, o Rei Balduíno cometeu um grande erro por presunção. Confiado excessivamente em sua vitória anterior, tendo apenas 200 Cavaleiros contra  20.000 maometanos do Vizir Al Afdal, atacou os infiéis, sem levar consigo a Cruz de Cristo.
Foi um desastre.
(René Grousset, Histoire des Croisades et du Royaume Franc de Jerusalem, Plon, Paris , 1936, Vol. I, pp. 225 – 226).
Mas as crônicas antigas não atribuíram essa derrota à desproporção imensa entre os dois exércitos, mas sim ao fato de que pela primeira vez, depois de terem recuperado a Cruz do Salvador, os cruzados, confiando só em seu valor, tinham ido à batalha sem levar consigo a Cruz.
Deus e o cavaleiro combatiam juntos, mas Deus é quem dava a vitória. Por isso é que Santa Joana d'Arc respondeu ao Bispo que lhe perguntava porque queria ela soldados, se dizia que o próprio Deus ia libertar a França:

—“Les gendarmes batailleront et Dieu donnera la vicoire" – «Os soldados combaterão, e Deus dará a Vitória».(Léon Gautier, La Chevalerie, Arthaud, Paris , 1959, p.46).

Simão de Montfort, o vencedor de uma batalha inacreditável em Muret, onde com menos de 900 homens venceu 44.000 hereges, matando 15.000 deles em uma hora de combate apenas, e tendo pouquíssimas baixas, antes dessa batalha, colocando sua espada sobre o altar-mor da Igreja da Abadia de Boulbonne, rezou a seguinte oração:

Meu bom Senhor! O doce Jesus! Tu me escolhestes, apesar de minha indignidade, para teus combates. É de teu altar que, hoje, recebo minhas armas, a fim de que no momento de dar batalha, eu receba de Ti os instrumentos do combate” (Dominique Paladilhe, Simon de Montfort et le Drame Cathare, Perrin, Paris, 1988, p.214).

Tinha Simão de Montfort tal certeza da vitória sobre os 44.000 cátaros que os Bispos lhe perguntaram de onde tirava ele essa confiança. E Simão de Montfort, mostrando-lhes uma carta do Rei Pedro de Aragão a uma meretriz, convidando-a para vir assistir à batalha em Muret, disse-lhes:

O que quero dizer é que Deus será minha ajuda, tanto que pouco temo um homem que vem, por causa de uma mulher, convulsionar o que Deus quer”

O Rei de Aragão ia combater por uma prostituta. Simão de Montfort ia combater por Deus. Os Bispos tremiam e clamavam de medo. Ele tinha certeza da vitória impossível (Dominique Paladilhe, Simon de Montfort et le Drame Cathare, Perrin, Paris, 1988, p.220).

Como outrora, os judeus haviam vencido os madianitas ao grito de "Espada de Deus e de Gedeão" (Jz, VII, 20), os cavaleiros sabiam que a vitória era fruto da graça de Deus com a colaboração do homem. A Igreja vencia com a espada de Deus e da Cavalaria. Eles tinham fé na ação do Deus dos Exércitos, que eles exaltavam na Missa ao repetir o coro das milícias celestes: Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus Exercituum. E porque tinham fé, eram freqüentes as aparições de anjos e de santos guerreiros a combater ao lado dos cavaleiros, nas batalhas das Cruzadas.

Lendas? Deus não faz tais milagres? Deus não atua na História?
Isso dizem os materialistas, que, tirando Deus da história, mutilam-na de seu principal agente.
Então o Deus de Gedeão e de Davi, o Deus que protegeu Judas Macabeu, na batalha, por meio de dois anjos que o cobriam com seus escudos de ouro, esse Deus perdeu o poder? Por acaso se lhe encurtou a mão, como indaga São Luis de Montfort?
Os cavaleiros acreditavam que Deus é sempre o mesmo, o Deus que os protegia continuamente e que estava com eles, velando providencialmente por seus guerreiros. Esta fé viva da presença e de proteção de Deus é que levava o Infante D. Henrique de Portugal a responder ao "Quem vem lá?" de um sentinela:
— "Deus, o apóstolo Santiago e o Infante D.Henrique”.

Porque um cavaleiro verdadeiro jamais estava só. Saint Beuve escreveu as seguintes palavras sobre esta fé viva, concreta e inocente dos cavaleiros medievais:

"O céu estava aberto acima deles, povoado de figuras vivas, de patronos atentos e manifestos. O mais intrépido guerreiro caminhava nessa mistura habitual de temor, de confiança, como uma criancinha”. (Saint Beuve, citado por G. Hubault "Sobre o Ensino de História da França", p..26, apud Léon Gautier - La Chevalerie, p. 34, nota 2, na edição original).

Um dia, na cruzada, prisioneiros turcos transportavam aos ombros, numa padiola, ferido, o duque Roberto da Normandia. Na estrada, eles se encontraram com normandos aos quais o duque, depois dos cumprimentos ordenou: "Ide, ide dizer, na Normandia, que nunca se ouviu dizer uma coisa igual: um príncipe cristão levado aos céus por quatro demônios".

Era esta fé que fazia D. Afonso Henriques gritar para Cristo crucificado que lhe apareceu nos céus, no alvorecer, antes de vencer os mouros na batalha de Ourique:

"Não a mim, Senhor, não a mim, que creio que podeis. Mas [aparece] a eles Senhor, a eles que não crêem".

Quando, na primeira cruzada, os cristãos conquistaram Jerusalém, enquanto todos corriam para tomar posse dos ricos palácios, Godofredo de Bouillon, Duque de Lorena, descalçou suas sandálias para ir buscar o seu tesouro: a Cruz de Jesus Cristo, na Igreja do Santo Sepulcro. Esta era a riqueza para qual ele corria, de pés descalços, e glorioso. Ela o trouxera, no caminho da epopéia e da glória, da Lorena à Ásia. (J. F.Michaud, História das Cruzadas, ed.. cit. , V.II, p..24)
No dia seguinte, quando se tratou de eleger um rei para Jerusalém, o mesmo Godofredo de Bouillon foi o escolhido. Mas ele recusou o título e a coroa porque dizia: "não quero ser coroado de ouro, onde Cristo foi coroado de espinhos”. Ele aceitou apenas o título de barão e defensor do Santo Sepulcro. Assim era a fé dos cavaleiros, vassalos de Deus. (Pierre Aubé, Godefroi de Bouillon, Fayard, Paris, 1985,p. 292 ; J.F. Michaud, História das Cruzadas, ed.. cit.,  V.II, p. 35).
Dizia o ditado antigo: "Nul chevalier sans prouesse" (Não há cavaleiro sem proeza) e podemos acrescentar: Nul prouesse sans Dieu (Não há verdadeira proeza, sem Deus).
Como bem notou Léon Gautier, em sua obra sobre a Cavalaria, “a epopéia exclui o ateísmo”, e que “os homens verdadeiramente épicos olham para o céu". (L. Gautier, La Chevalerie, ed. original - p.39).
E porque eles olhavam para o céu, eles rezavam muito, muito pediam e muito recebiam. Os cavaleiros normalmente assistiam a Missa todos os dias e comungavam com freqüência.

Ifigênia em Áulis


Ifigênia em Áulis (gr. ΙΦΙΓΕΝΕΙΑ Η ΕΝ ΑΥΛΙΔΙ — Ifigênia em Áulis) é, provavelmente, a última tragédia de Eurípides. Foi representada pela primeira vez em -405 no concurso trágico das Dionísias Urbanas de Atenas e era parte da trilogia que e recebeu a primeira colocação. Os dramas que a acompanharam eram Bacantes e Alcmeon em Corinto, esta conhecida somente pelos fragmentos.

Eurípides havia morrido alguns meses antes do concurso de -405 e "Eurípides o Jovem", filho (ou sobrinho) do poeta, encenou a trilogia. Acredita-se ainda que ele compôs alguns trechos da Ifigênia em Áulis, que o pai /tio deixara inacabada.

Os últimos versos da tragédia (1532-1629), tal qual a conhecemos, também não são de Eurípides. Esse final, conservado pelos manuscritos disponíveis, foi aparentemente criado durante o Período Bizantino[1]. A maior parte dos eruditos concorda que o texto, embora alterado por diversos outros autores ao longo dos séculos em várias cenas, segue o sentido geral dos planos de Eurípides para a tragédia (Ribeiro Jr., 2006).

Hipótese

A tragédia se baseia em um dos episódios do Ciclo Troiano. Agamêmnon, rei de Micenas (ou Argos), comandante das forças gregas que se preparam para atacar Tróia, é compelido a sacrificar sua filha Ifigênia para que a deusa Ártemis cesse a longa calmaria que impede o embarque dos gregos. A inesperada chegada de Clitemnestra em companhia da filha e a intervenção de Aquiles, alheio à trama, complicam seus planos.

Dramatis personae

Agamêmnon: rei de Micenas (Argos), marido de Clitemnestra, pai de Ifigênia

Velho: antigo servidor de Agamêmnon e Clitemnestra

Coro: jovens mulheres casadas de Cálcis, Eubéia

Menelau: rei de Esparta, irmão de Agamêmnon, tio de Ifigênia, marido de Helena

Clitemnestra: esposa de Agamêmnon, mãe de Ifigênia e irmã de Helena

Ifigênia: Filha mais velha de Agamêmnon e de Clitemnestra

Aquiles: o mais poderoso guerreiro grego, líder dos mirmidões

Primeiro Mensageiro

Segundo Mensageiro

Servos mudos

O bebê Orestes era representado por um boneco e Helena, causa imediata da Guerra de Troia, é tão mencionada que se pode considerá-la outro personagem da tragédia.

Esta é uma das poucas peças em que Eurípides não recorreu ao deus ex machina: Ártemis, principal personagem divino da tragédia, é apenas mencionada. Há evidências, porém, de que o êxodo original de Eurípides ou de Eurípides junior, hoje perdido, pode ter contado com a voz da deusa Atena em cena, dirigindo-se talvez a Agamêmnon (cf. a voz de Ártemis no Hipólito).

Mise en scène

A cena se passa no acampamento das forças gregas estacionadas em Áulis, cidade da Beócia que faz frente à Eubéia, na época da Guerra de Tróia. O protagonista fazia Agamêmenon e Aquiles; o deuteragonista, Menelau e Clitemnestra; o tritagonista, o velho, Ifigênia e os mensageiros.

A tragédia contém 1629 versos e ocupa cerca de 68 páginas da edição de Jouan (1983), na qual se baseia este resumo.

INITgitado, Agamêmnon convoca um velho servidor, relembra os antecedentes da Guerra de Tróia e revela que Ártemis impede os ventos de soprarem para que o exército grego não embarque. Um oráculo havia ordenado que sacrificasse sua filha mais velha, Ifigênia, para aplacar a deusa, e assim ele avisara Clitemnestra, sua esposa, para enviar a filha até Áulis sob o falso pretexto de casá-la com o herói Aquiles. Arrependido, pede a um velho servidor que leve a Argos uma mensagem com ordens contrárias (Prólogo, 1-163).

O coro descreve o acampamento, os guerreiros e os navios de cada contigente grego, e as atividades de alguns deles enquanto esperam o embarque (Párodo, 164-302).

Menelau surpreende o velho, toma-lhe as tabuinhas com a mensagem de Agamêmnon e lê; os dois irmãos discutem e ofendem-se mutuamente. Chega o Mensageiro e comunica que Clitemnestra, Ifigência e Orestes estavam chegando; Agamêmnon lamenta-se, e Menelau mostra simpatia pelas atribulações do irmão. Agamêmnon, no entanto, diz a ele que a morte de sua filha é inevitável devido às pressões do exército acampado (1º Episódio, 303-542).

O coro canta as consequências funestas do amor, as obrigações de homens e mulheres, e relembra o encontro entre Páris e Helena e suas consequências (1º Estásimo, 543-589).

Clitemnestra, Ifigênia e Orestes chegam; Agamêmenon os recebe e procura enganar a esposa e a filha. A pedido de Clitemnestra, descreve a genealogia e os méritos de Aquiles e por fim pede, sem sucesso, que a esposa retorne a Argos (2º Episódio, 590-750). O coro descreve o futuro cerco de Tróia e sua destruição, e destaca a culpa de Helena nesses eventos (2º Estásimo, 751-800).

Aquiles e Clitemnestra se encontram e descobrem que não são futuro genro e futura sogra; o velho servidor aparece e revela o que na realidade está acontecendo. Clitemnestra implora a ajuda de Aquiles que, furioso com o uso indevido de seu nome, promete socorrê-la (3º Episódio, 801-1035). O coro relembra as núpcias de Peleu e Tétis e lamenta a morte próxima de Ifigênia (3º Estásimo, 1036-1097).

Clitemnestra e Ifigênia confrontam Agamêmnon e suas mentiras; Ifigênia tenta demover o pai, sem sucesso, e lamenta-se. Aquiles volta e revela que o exército está incontrolável e até seus mirmidões voltaram-se contra ele. Prepara-se para enfrentar todos quando Ifigênia intervém e oferece-se voluntariamente para o sacrifício (4º Episódio, 1090-1508). O coro celebra o oferecimento de Ifigênia e faz uma prece aos deuses pela vitória dos gregos (4º Estásimo, 1509-1531).

Um mensageiro relata a Clitemnestra os preparativos para o sacrifício e a misteriosa substituição de Ifigênia por uma corça quando ia ser degolada. Agamêmnon confirma o ocorrido e despede-se, pois os ventos estão soprando e o exército vai partir (Êxodo, 1532-1629).

Manuscritos, edições e traduções

As fontes mais importantes da Ifigênia em Áulis são os manuscritos Laurentianus xxxii 2 (sæc. XIV), da Biblioteca Laurenciana de Florença, e o Palatinus Vaticanus gr. 287 (sæc. XIV), da Biblioteca do Vaticano.

A editio princeps é a Aldina, de 1503. Principais edições modernas: Dindorf (1869), Weil (1879), Headlam (1889), Nauck (1871), England (1891) e Murray (1909); as mais recentes e mais importantes, no entanto, são as de Jouan (1983), Gunther (1988), Stockert (1992), Diggle (1994) e Kovacs (2003), atualizadas e minuciosas. Aqui, foi utilizada a edição de Jouan (o.c.).

Notações musicais referentes a uma pequena parte de um dos cantos corais foram recuperadas a partir do Papiro 510 da Biblioteca de Leyde, Holanda (c. -250). Seu autor pode ter sido o próprio Eurípides, — ou um compositor mais recente, que criou a música para uma das reapresentações da tragédia.

As primeiras traduções para o português foram a de Cândido Lusitano (1719/1773), ainda inédita, e a de Manuel de Figueiredo (1805); em 1974 foi publicada postumamente a excelente tradução de Paes de Almeida, revista em 1998 por Maria de Fátima Silva, da Universidade de Coimbra. Em 2005, completei uma nova tradução do texto e dos fragmentos para minha dissertação de mestrado (Ribeiro Jr., 2006), em publicação.


Notas

"Período Bizantino" é o longo período em que grande parte do Império Romano ficou sediado em Constantinopla, entre 330 e 1453 d.C. Também chamado de "Império Romano do Oriente", foi notável pela cultura greco-romana orientalizada. Os eruditos bizantinos são os responsáveis pela preservação de grande parte das obras gregas que chegaram até nós. Mais informações: Byzantine Empire.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Escola dos Annales


O historiador francês Marc Bloch, especialista em História Medieval, foi um dos fundadores da Escola dos Annales

Por Me. Cláudio Fernandes

Quando há um grupo de historiadores ou, mesmo, duas ou três gerações de historiadores que trabalham em torno de uma instituição específica, tal como uma universidade ou uma revista universitária especializada, escrevendo sobre temas afins e com um tipo de abordagem que esteja em sintonia, dá-se a esse grupo o nome de “escola histórica” ou “escola de historiografia”. No século XX, uma das mais notáveis escolas históricas foi a chamada Escola dos Annales, cuja atividade começou em 1929.

Este nome, “Escola dos Annales”, ficou conhecido porque tal grupo se organizou em torno do periódico francês Annales d'histoire économique et sociale (Anais de história econômica e social), no qual eram publicados seus principais trabalhos. Os dois principais nomes da fundação desse periódico eram Lucien Febvre e Marc Bloch, e seus principais objetivos consistiam no combate ao positivismo histórico e no desenvolvimento de um tipo de História que levasse em consideração o acréscimo de novas fontes à pesquisa histórica e realizasse um novo tipo de abordagem.

Por positivismo histórico, que era o alvo dos “annales”, entende-se um tipo de visão do trabalho do historiador típico de uma corrente histórica também francesa, dominante no século XIX. Essa corrente entendia que ao historiador bastava expor as fontes escritas, sem necessidade de interrogar os documentos, de interpretá-los nas entrelinhas e de confrontá-los com outras fontes, como vestígios materiais arqueológicos etc. O modo de abordagem dos “annales”, ao contrário, passou a valorizar essas outras fontes, além dos documentos escritos. Se hoje há a história do vestuário, do chiclete, das capas discos de música, entre outros, isso se deve a esse esforço pela ampliação de análise que a Escola dos Annales desencadeou.

Outros nomes importantes seguiram-se ao de Bloch e de Febvre, como o de Fernand Braudel, que se notabilizou, na década de 1940, por desenvolver um tipo de História que se mesclava com a Geografia e levava em conta grandes estruturas temporais, que ele denominou de “longa duração”. O maior exemplo disso é sua obra “O Mediterrâneo”, publicada em 1947.

Outro exemplo é o do especialista em história medieval Jacques Le Goff, que, junto a outros historiadores herdeiros dos “annales”, como Pierre Nora, organizou o que ficou conhecido como “História Nova”, um tipo de História que alargava ainda mais as possibilidades de pesquisas abertas pela Escola dos Annales.

O que é história das mentalidades?


Lucien Febvre

Por Me. Cláudio Fernandes

A história é uma disciplina que atravessou, desde o seu processo de institucionalização como “ciência”, no século XIX, inúmeras reformulações, revisões e batalhas teóricas. Na primeira metade do século XX, entre os historiadores franceses, uma “revolução” metodológica passou a acontecer. Revolução essa que deitaria raízes no futuro das reflexões sobre a história. A Escola dos Annales foi o “carro-chefe” dessa revolução. Foi de um dos fundadores da Escola dos Annales, Lucien Febvre (1878-1956), que nasceu um dos mais importantes ramos da historiografia do século XX, a história das mentalidades.

Segundo Febvre, havia camadas do desenvolvimento histórico da humanidade que não sofriam transformações rápidas e nítidas como outras. Assim, por exemplo, as estruturas políticas e sociais seriam as primeiras nas quais se poderia verificar mudanças substantivas, enquanto certos comportamentos e formas de pensamento demorariam significativamente mais para sofrer alterações.

Dessa forma, pensamentos, ideias, ideologias, segmentos morais, atmosferas de compreensão científica, entre outros, estariam dentro da esfera das mentalidades, isto é, formas duradouras de pensamento que caracterizam longos espaços de tempo. Parte dos fundamentos da psicologia moderna, desenvolvida na virada do século XIX para o século XX, ajudou Febvre a assentar suas teses sobre a história das mentalidades. Como aponta o pesquisador Ronald Raminelli:

“Sob influência da psicologia de Charles Blondel e Henri Wallon, Febvre lança o que se pode chamar de "manifesto da história das mentalidades", com a publicação, em 1938, do artigo intitulado "La Phsychologie et L'Histoire" [''A Psicologia da história''] no tomo VIII da Encyclopédic Française; depois em 1941, em Annales d'Histoire Social, um outro artigo: "La Sensibilité dans l'Histoire" [''A sensibilidade na História''], ambos encontrados nos Combates pela História. Os dois textos dão algumas pistas do que seria o método de se fazer história das mentalidades.” (Raminelli, Ronald. Lucien Febvre no caminho das mentalidades. R. História, São Paulo, n. 122, jan/jul. 1990. p. 97-115.)

A esses trabalhos iniciais, Febvre acrescentaria grandes ensaios de investigação histórica que exploraram o terreno das mentalidades. Os exemplos mais notáveis são “Martinho Lutero, um destino”, sobre o reformador religioso alemão; “O início do livro: o impacto da Imprensa (1450-1800)”, trabalho pioneiro também na área da história da leitura; e “O problema da descrença no século XVI: a religião de Rabelais”, sobre a atmosfera religiosa na época do autor de Gargantua e Pantagruel.

Os herdeiros intelectuais de Febvre continuaram a desenvolver pesquisas no âmbito da história das ideias. Nomes como Michel Vovelle, Philippe Ariès, Fernand Braudel e, depois, Jacques Le Goff, Emmuel Le Roy Larurie, Roger Chartier, etc., integraram o time, mas também fundaram novas áreas de investigação, como a história cultural e a “nova história”.

sábado, 22 de agosto de 2015

Civilização Micênica


Porta dos Leões 

Os micênicos vieram do centro da Europa para a península grega. Foi um longo caminho, atravessando montanhas, para chegar a uma terra que nem era tão extensa e era pouco propícia a ser cultivada.

Como uma grande área era ocupada por campos, quase não havia pasto para criação do gado, o que havia eram as oliveiras e as vinhas.

De certo, para assegurar sua sobrevivência e seu futuro, o povo micênico se voltou para o mar. Afinal a Grécia é uma terra que entra pelo mar e isso fez com que o mar fosse o caminho natural a seguir.

Assim, os micênicos conquistaram Creta e aos poucos se tornaram poderosos e grandes comerciantes, sendo que a cidade de Micenas, que dá nome à civilização se tornou a mais poderosa cidade grega.

Muito do que se sabe sobre a cultura micênica sobreviveu na Ilíada e na Odisséia e foi graças a Homero, Esquilo e Pausânias, que Micenas foi encontrada, assim como Tróia, com quem os micênicos mantinham intenso comércio.

Micenas, a cidade de Agamenon que, de acordo com Homero, foi o mais importante dos reis gregos que lutaram contra Tróia, foi encontrada por Heinrich Schliemann em 1876.

A fé desse fabuloso explorador alemão, nas tradições de Esquilo e de Pausânias, que havia deixado uma descrição do lugar, fizeram com que escavasse num local onde ninguém esperava encontrar nada.


Mapa da localização de Micênas

No entanto, ele encontrou esqueletos, jóias, armas, taças e vasos, um enorme tesouro que na verdade, pertencia de fato a Micenas, mas era muito anterior a Agamenon. Mesmo assim, ele acreditou que a máscara de ouro de algum príncipe micênico fosse a cópia do rosto de Agamenon, e assim até hoje ela é conhecida.

O fato é que estava descoberta Micenas e os estudiosos puderam trazer à luz toda a história de uma civilização. O povo micênico está documentado em Creta entre 1450 e 1400 a.C. Esse povo é originário da Grécia continental e já se relacionava comercialmente com os minóicos que viviam em Creta.

Em aproximadamente 2000 a.C. na ilha de Creta havia aldeias de camponeses, em cada aldeia havia um chefe, que era respeitado por todos e que cobrava impostos. Um povo indo-europeu, os Aqueus, vindo à Grécia continental ajudou no declínio do poder dos reis, além da catástrofe ocorrida em 1750 a.C que impediu o crescimento de vários palácios.

Aqueus e Cretenses entraram em contato e os aqueus aprenderam além da escrita agricultura e navegação. Esse período foi chamado de Creto-Micênico por causa da criação das civilizações de Creta e Micênica.

Linear B

Foi nesta língua que os micênicos deixaram seus arquivos de tabuinhas. Encontrados em Pilos, esses arquivos foram decifrados pelo perito Michael Ventris, que durante a Segunda Guerra Mundial havia trabalhado com decodificação. Em 1952 ele decifrou o Linear B, a língua dos micênicos e ficou provado que se tratava de uma forma inicial do grego.

É possível que o povo micênico tenha adaptado a língua dos minóicos (Linear A) para escrever o grego, sua língua original.

Temos então, que essas tabuinhas descobertas em Pilos e em Cnossos demonstraram ser registros de produtos distribuídos, listas de subordinados, inventário da matéria prima que saia do palácio para voltar como bens manufaturados. Também há registro de armas e até carros de guerra.

Sociedade

Havia um rei ou senhor e um militar no comando. Aparentemente, havia logo abaixo do rei uma aristocracia militar, que era dona de vastas extensões de terras.

Tesouro da tumba real de Micenas.

A base da sociedade micênica eram os trabalhadores livres e os escravos. Nas tabuinhas não há menção aos comerciantes, portanto ainda não se sabe onde eles se encaixavam na pirâmide social.

O que se sabe é que a sociedade micênica era essencialmente guerreira e seus palácios e cidades rodeados de altos muros.

Economia

Suas riquezas principais eram o trigo, o azeite e o vinho. Havia indústria têxtil (lã e linho), a metalurgia do bronze (armas)e também a cerâmica. Sem dúvida a agricultura era básica. A economia era centralizada na figura do rei.

Comerciantes e guerreiros

Através dos achados arqueológicos, sabemos que havia um comércio desenvolvido uma vez que vasilhas micênicas foram encontradas na Ásia Menor, Síria, Egito e Chipre, na Itália e na Península Ibérica.

Os micênicos se destacaram na navegação, aprendida primeiro em Creta com os minóicos, inclusive suas embarcações eram no início, muito parecidas.

Com o tempo, o povo guerreiro adaptou os barcos de carga de modo que, com cascos mais longos e mais finos, serviam perfeitamente como embarcações de combate. Construíram até mesmo quinquerremes, navios de guerra com cinquenta remos.

Na metalurgia, o ferro começava a substituir o bronze em armas e ferramentas.

Arquitetura

O traço principal da arquitetura micênica são as cidadelas cercadas por muralhas imensas (chamadas ciclópicas). Argos, Micenas, Tirinto e Pilos eram cidades que tinham palácios fortificados e edifícios funerários.


Como forma de defesa, só havia um caminho a seguir para chegar aos portões das cidades. Um belo exemplo é a Porta dos Leões, o mais famoso acesso a Micenas.

As tumbas também são típicos exemplos da arquitetura desse povo, chamadas tholoi, são edifícios escavados na rocha, em planta circular e teto em forma de cúpula.

O mais famoso túmulo do gênero é o Tesouro de Atreu, nome dado por Schliemann em 1876-1877, e lá, foram encontrados copos, colares e máscaras mortuárias em ouro.

Em outras tumbas também foram encontradas adagas, espadas, escudos e capacetes.

Artes

A civilização micênica sofreu grande influência da minóica em Creta, nos motivos naturalistas e no estilo dos palácios. Acredita-se que havia artistas cretenses entre os micênicos pelo estilo de arte nas cerâmicas e na pintura.

Tipicamente micênicas, foram as cenas de guerra, as cenas heróicas ou as caçadas do rei e as máscaras mortuárias em âmbar e ouro.

Religião

Ao que parece, foram os micênicos que aboliram a figura da deusa-mãe como principal divindade de culto.

Para os micênicos o deus maior era Poseidon, que, curiosamente, eles adoravam como deus da terra.

As divindades femininas eram respeitadas cada qual dentro da sua atribuição, como vamos ver mais tarde na Grécia, Atenas, Hera, etc.

No final da época micênica, o deus principal passou a ser Zeus que era o protetor da dinastia real de Micenas.


É possível que a expansão da civilização micênica tenha sido causada pela aridez da península grega, a dificuldade de lidar com a agricultura deve ter impulsionado esse povo a procurar novas paragens. Assim, chegando a Creta, eles tiveram oportunidade de crescer e difundir sua cultura.

A decadência micênica pode ter sido causada por povos invasores, talvez por causas naturais ou crises internas, na realidade, não se sabe ao certo.

A tradição atribui o desaparecimento dos micênicos à chegada dos dórios.

O que ocorre é que com a decadência da civilização micênica, acaba o poder marítimo de Creta, a ilha se divide em cidades-estado e se torna uma parte sem importância do mundo grego.

A Civilização Minoica



Ruínas do palácio em Knossos

A Civilização Minoica se desenvolveu na ilha de Creta entre 2700 e 1450 a.C., tendo em Knossos  a principal cidade. Permaneceu durante muito tempo na maior ilha do Mar Egeu, mas até hoje muitas respostas sobre esse povo ainda não foram respondidas.

Não se sabe exatamente qual é a origem da Civilização Minóica, mas sabe-se que a ilha de Creta foi ocupada por volta do ano 6000 a.C por povos neolíticos. Datam de três séculos depois as primeiras marcas de presença humana que são representadas através de peças de cerâmica, enquanto isso as características da arquitetura se assemelhavam muito com as do Egito e do Oriente Médio da mesma época e de períodos posteriores. Também é incerto o termo Minóico que é utilizado para caracterizar a civilização, foi um arqueólogo inglês que assim a chamou. Pode ser que a palavra Minos representasse alguém específico entre esse povo, mas como os minóicos se chamavam ainda é um mistério, o que se sabe apenas é que a palavra egípcia Keftiu e a semítica Kaftor são referentes aos habitantes da ilha de Creta.


Mapa da Ilha de Creta e Grécia.

Um contingente humano se estabeleceu na ilha de Creta cultivando trigo e lentilhas e criando bois e cabras, a agricultura era favorecida pelo terreno e a pesca por se tratar de uma ilha. Somente em torno de 3800 a.C. que o cobre tomou o lugar da pedra na elaboração de utensílios, mudando os hábitos dos habitantes. A Civilização Minóica propriamente dita só teve início por volta do ano 2700 a.C. quando os registros escritos eram utilizados e após se formar uma unidade política e um exército. Esse momento marca o começo da Idade do Bronze e um período de muita atividade na ilha de Creta.

O apogeu da Civilização Minóica ocorreu ao redor do ano 1700 a.C. quando um grande terremoto assolou a ilha destruindo os palácios de Knossos, Festos, Malia e Kato Zakros. Após a tragédia, os palácios foram reconstruídos em maior escala, a população aumentou, construiu-se um sistema de esgoto, túmulos maiores e esculturas mais elaboradas. Esse momento é o começo do Período Neo-Palaciano, o qual denota o ápice da Civilização Minóica. Em meio ao próspero momento foram construídas naus rápidas e resistentes o suficiente para transpor o Mar Mediterrâneo. Ocorreu a expansão comercial através da exportação de jóias, cerâmica, azeite e lã, assim como a expansão territorial e política com a fundação de colônias em ilhas do Mar Egeu e na Sicília.

A decadência da Civilização Minóica aconteceu no final do Período Neo-Palaciano, quando a cultura ruiu e os palácios foram novamente destruídos. Mais tarde outro desastre natural contribuiu para a derrocada de tal povo, a explosão de um vulcão na ilha de Santorini fez com que tsunamis atingissem os portos de ilha de Creta. Os principais mercados dos Minóicos foram destruídos e abriu-se espaço para a chegada dos Dórios, tribo indo-européia, que conquistaram os decadentes Minóicos. Estes perderam a capacidade de sustentar comércio com outras culturas e nem conseguiam mais defenderem-se dos invasores, o resultado foi o surgimento de uma guerra civil fragmentando a civilização em vários grupos.

Para colocar um fim à Civilização Minóica, os Dórios invadiram a ilha de Creta ocupando as cidades abandonadas e construindo sobre as cidades destruídas suas novas bases e assimilaram em 1380 a.C. os Minóicos restantes que se refugiaram no leste da ilha.

A cultura Minóica foi muito significativa no Mar Egeu e gerou um legado que se associou com a cultura dos povos gregos gerando a Civilização Micênica. A Civilização Minóica é identificada como uma civilização matriarcal, a mulher tinha muita importância na sociedade e desenvolvia funções religiosas, administrativas e políticas. Era um povo pacífico, crente em vários deuses e seguros de que a mulher era elemento fundamental para a pacificação social, tanto que o principal símbolo religioso de veneração era uma deusa.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

La esfinge nunca fue tal, es en realidad un chacal


Así es, a nadie se le escapa el detalle de que la famosa y deteriorada cabeza de la esfinge no corresponde con el cuerpo, por motivos de proporción y estética:


En realidad este gran monumento fue en un principio un chacal o perro egipcio. Fijáos, fijáos:


Obviamente en referencia al dios Anubis:



Lo véis? ¿A que así ya van cuadrando más las cosas? Es que es lógico, esa postura de patas delanteras estiradas y las de atrás retraídas es la postura perruna por excelencia, mi perro lo hace, el tuyo lo hace y el de todos también.

No es un león como se ha dicho desde siempre, sino un chacal. Tras su construcción algún faraón con aires de grandeza seguramente decidió cincelar la cabeza del chacal original y erigir su magnánime y mayestático cabezón.

Por cierto, se dice que bajo este gran monumento se esconde una cavidad, una especie de gruta subterránea o mazmorra.

Pues tendría toda la lógica del mundo....

Anubis era el Señor de las necrópolis, la ciudad de los muertos, que se situaban siempre en la ribera occidental del Nilo. Según las creencias egipcias, era el encargado de guiar al espíritu de los muertos al "otro mundo", la Duat. Vigilaba el fiel de la balanza en el Juicio de Osiris.

Anubis era representado como un hombre con cabeza de cánido, o como un perro egipcio (o chacal) negro, por el color de la putrefacción de los cuerpos, y de la tierra fértil, símbolo de resurrección.

Ocasionalmente, aparece como un cánido que acompaña a Isis.

La asociación con el chacal se debe, probablemente, a su hábito de desenterrar los cadáveres de las tumbas para alimentarse. Anubis era representado con pelaje negro, a pesar de que los chacales en el Antiguo Egipto tenían un pelaje rojizo, debido a que ese color simbolizaba la resurrección y la fertilidad, por el color del limo traído por el Nilo cada año, que renovaba la fertilidad de los campos

Anubis era el antiguo dios de la Duat.

Anubis estaba relacionado no sólo con la muerte, también con la resurrección después de ella, y era pintado en color negro, color que representa la fertilidad.o.

Cuando Osiris subió al poder en el mundo de los muertos, la Duat, Anubis tomó un papel secundario, limitándose a embalsamar los cuerpos de los faraones, guiarlos a la necrópolis y cuidarla con su vida

. Los sacerdotes de Anubis usaban unas máscaras rituales con su figura en la ceremonia de embalsamamiento del faraón. También Anubis era el encargado de vigilar, junto a Horus, la balanza en la que se pesaban los corazones de los difuntos durante el Juicio de Osiris.

Los primeros textos religiosos no le asignan progenitores, aunque en los Textos de las Pirámides su hija es Qebehut, la diosa que purificaba al difunto. En los Textos de los Sarcófagos, Bastet o Hesat, eran su madre. En otros textos era hijo de Ihet (diosa de la mitología de Esna); también de Ra y Neftis, de Seth y Neftis, de Sejmet-Isis y Osiris (en Menfis), o de Sopedu.

A exploração de ouro e diamante


A Coroa portuguesa criou pesados tributos sobre o ouro extraído nas minas.

►Os escravos na mineração: Inicialmente, o trabalho nas minas era realizado pelos próprios descobridores, embora vários deles possuíssem escravos indígenas. Com o tempo, os escravos africanos, que eram comprados do Rio de Janeiro  e do Nordeste ou trazidos da África, foram introduzidos e tornaram-se a principal mão de obra nas minas. Os escravos eram submetidos a péssimas condições de trabalho. Extraindo o ouro de aluvião (ouro advindo do desgaste de rochas, levado pela água ou pelos ventos, o ouro se espalhou por um área extensa, facilmente encontrado nos leitos  e nas margens dos rios, em geral na forma de pedriscos), eles ficavam longas horas com pés na água, sendo frequentemente  atingidos pela tuberculose e por outras doenças pulmonares. Nas galerias subterrâneas, os cativos estavam sujeitos à asfixia e aos riscos de soterramento.

►O controle sobre o ouro: A descoberta de cada lavra tinha de ser comunicada ao governo e precisava de autorização especial para ser explorada. Depois de registrada, a mina era dividida em lotes, conhecidos como datas. O descobridor podia escolher as duas primeiras datas, enquanto a seguinte ficava para a Coroa. As demais eram repartidas entre todos os pretendentes, recebendo as maiores datas aqueles que possuíssem mais escravos. Por volta da década de 1760, na decadência da atividade mineradora, as faiscações (pequenas lavras de ouro) tornaram-se comuns. O número de pessoas que nelas trabalhavam era reduzido, muitas vezes um único escravo ou um garimpeiro. Esse garimpo permitiu que diversos escravos juntassem dinheiro para comprar sua alforria.

►A criação de impostos: A Coroa portuguesa impôs rígida para a exploração aurífera e criou impostos sobre o ouro que era extraído na região. Para garantir a eficácia dessas medidas, montou-se uma estrutura administrativa até então inexistente na região mineradora. O principal imposto sobre a extração de ouro era o quinto, que garantia à Coroa 20% de todo o metal encontrado pelos mineradores. No entanto, era muito difícil controlar a cobrança, já que muitos mineradores contrabandeavam o ouro. O governo luso procurou reprimir o tráfico implantado as casas de fundição, criadas entre 1717 e 1719, onde as autoridades recolhiam o quinto e transformavam o ouro em barras, gravadas com o selo real. Assim, o precioso metal, que antes circulava em pó ou em pepitas, só podia circular em barras. Entre 1735 e 1750, instituiu-se, também, o sistema de capitação (per capita, isto é, por cabeça, por pessoa), que previa a cobrança de 17 gramas de ouro por escravo. Em 1750, o governo português manteve apenas o imposto do quinto e fixou uma cota de 100 arrobas (cerca de 1.500 quilogramas) anuais para toda  área mineradora. Para pressionar os mineiros a cumprir a exigência, a Coroa instituiu a derrama, ou seja, a cobrança dos impostos atrasados. Ela  estabelecia que população completasse a cota de ouro com seus próprios recursos, caso a meta não fosse atingida.

►A revolta contra os impostos: O aumento da fiscalização na cobrança dos impostos e a notícia da criação das casas de fundição indignaram os mineradores. Além disso, o custo de vida na região das minas era muito alto, pois quase tudo o que era consumido vinha de outras áreas da colônia. Diante dessa situação, em situação, em junho de 1720, cerca de 2 mil mineiros, comandados pelo comerciante português Filipe dos Santos, tomaram Vila Rica e exigiram do governo da capitania, o conde de Assumar, que não implantasse as casas de fundição. O governo aparentou concordar com as exigências, mas, em pouco tempo, iniciou uma dura repressão ao movimento. Os líderes foram presos e Filipe dos Santos foi condenado à morte por enforcamento.

►A descoberta dos diamantes: Os diamantes foram encontrados na região do Arraial do Tejuco, atual Diamantina, em Minas Gerais, no começo do século XVII. No início, os mineradores não sabiam que se tratava de uma pedra preciosa e as usavam como fichas nos jogos de cartas. Quando as pedras foram levadas a Portugal para análise, a Coroa portuguesa reconheceu o seu valor e imediatamente ordenou que fossem cobrados na região diamantina os mesmos tributos da extração de ouro. A partir de 1731 foi terminantemente proibido trabalhar com diamante nessa região, sob pena de confisco de bens e banimento para a África. No entanto, essa medida não foi suficiente pra combater a extração ilegal e o contrabando de diamantes. Por volta de 1734, para combater o contrabando, o governo português demarcou cuidadosamente a área de diamantes, isolando-a do restante da colônia. No local formou-se o Distrito Diamantino. Em 1739, o direito exclusivo de explorar as pedras foi cedido a funcionários reais, chamados contratadores. Por meio de um contrato, eles exploravam as áreas diamantinas mediante o pagamento de um tributo à Coroa. Os contratadores desfrutavam grande prestígio na sociedade. Um dos mais conhecidos foi João Fernandes de Oliveira, que se apaixonou pela escrava Chica da Silva. A utilização de contratadores durou até 1771, quando a extração de diamantes passou a ser administrada diretamente por Portugal, por meio de um órgão do governo, a Real Fazenda. No início do século XIX, a administração portuguesa liberou gradativamente a garimpagem de pedras preciosas em determinadas áreas, o que encorajou o contrabando. O Distrito Diamantino foi dissolvido em 1882, quando as pedras tinha escasseado e o Brasil já era independente de Portugal.